Até à reforma de 2002/2004,
para que o ato administrativo fosse impugnável contenciosamente, a doutrina,
principalmente o Professor Freitas do Amaral, entendia que este tinha de
observar uma tripla definitividade: vertical, horizontal e material.
A primeira questão que se
coloca é então saber quais são as características que o ato tem de revestir
para ser impugnável.
No Contencioso Administrativo
clássico, vigorava o princípio da impugnação unitária do ato. Só o ato horizontalmente definitivo, isto é,
o ato final que põe termo ao procedimento,
era impugnável. A exigência de
definitividade horizontal do ato trazia consigo consequências nefastas para o
particular. As ilegalidades praticadas ao longo do procedimento repercutiam-se
na ilegalidade do ato final, consequentemente,
o ato final era ilegal em si mesmo, mas também o era devido a todas as
ilegalidades do procedimento que o originou. Essas ilegalidades de procedimento
deviam ser consideradas em si mesmas, não esquecendo que o ato final está
inserido e é o resultado de um procedimento.
Com a Reforma de 2015, nos
termos do artigo 51 nº2 e nº3 do CPTA,
esta característica da definitividade horizontal do ato como critério de
impugnabilidade foi abandonada. Tal como
já o fazia antes desta Reforma, o Código confere ao particular a opção entre
impugnar o ato final ou o ato intermédio (artigo 51º nº3).
Atendendo à definitividade
vertical, só o ato praticado pelo superior hierárquico máximo era recorrível.
Se o ato fosse praticado por um subalterno, a impugnação do ato estava
dependente da observância do ónus de prévia utilização, pelo impugnante, das
outras vias de impugnação administrativa – reclamação e recurso hierárquico.
Vamos focar-nos no recurso
hierárquico necessário.
Segundo o Professor Marcelo
Rebelo de Sousa, o recurso hierárquico “constitui um dos mecanismos através dos
quais o superior hierárquico pode exercer os seus poderes de intervenção sob o
resultado do exercício das competências do subalterno, assegurando-se assim a
preferência de principio pela sua vontade sobre a dos escalões hierarquicamente
inferiores”.
Antes de 2002/2004, o
Professor Vasco Pereira da Silva sempre defendeu a inconstitucionalidade da
regra do recurso hierárquico necessário, invocando a violação do principio da
plenitude da tutela dos direitos dos particulares art. 268º/4 CRP, por
condicionar o acesso ao tribunal administrativo mediante exercício prévio de um
recurso administrativo; do principio da separação entre Administração e justiça
art. 114º, 205º e seguintes e 216º CRP; do principio da desconcentração
administrativa art. 267º/2 CRP, uma vez que tendo o órgão competência administrativa
bastante, não fazia sentido impor a intervenção de órgão superior, dotado de
poderes de superintendência e tutela, como condição necessária de acesso ao
tribunal; e do principio da efetividade da tutela art. 268º/4 CRP, reduzindo-se
em 1/3 o prazo de acesso à justiça. No entanto, esta posição não era sustentada
pela restante doutrina nem pela jurisprudência.
Com a Reforma de 2002/2004, a
grande alteração foi a de que o CPTA deixou de exigir, em termos gerais, a
prévia impugnação dos atos para que estes pudessem ser objeto de impugnação
contenciosa. A regra passou a ser então a da desnecessidade da utilização de
vias de impugnação administrativa para aceder à via contenciosa. Atendendo ao
art. 51º/1 CPTA, este veio extinguir a definitividade vertical, e consagrar a
impugnabilidade de qualquer ato administrativo que seja susceptivel de lesar
direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja
dotado de eficácia externa. O art. 59º/4 e 5 CPTA veio consagrar que, apesar do recurso prévio à via administrativa
suspender o prazo de impugnação, tal não significa que o interessado não possa
impugnar contenciosamente o ato na pendência da impugnação administrativa. Isto
veio conferir uma maior eficácia às garantias administrativas, dado que o
particular que decida optar previamente por essa via, sabe agora que o prazo
para a impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu
pedido de reapreciação.
Se por um lado esta opção
agradou a alguma da doutrina, como ao Professor Vasco Pereira da Silva, também
foi criticada por outros, em destaque o Professor Freitas do Amaral que
considerou que esta solução levaria a um “mar” de processos nos tribunais
administrativos.
Podemos agora, em 2015, com a
novíssima Reforma, perguntarmo-nos o que é acontece às normas do CPA referentes
ao recurso hierárquico. A doutrina não é unânime.
Alguns autores consideram que
o CPTA revogou a normas do CPA relativas ao recurso hierárquico. O Professor
Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, adopta uma formulação de Jorge Miranda
e entende que estamos perante uma situação em que as normas do CPA perdem
eficácia, traduzindo-se o problema numa questão de caducidade da norma, uma vez
desaparecem as circunstâncias de direito que justificavam a existência da
norma, e assim a razão de ser do recurso hierárquico necessário. Não se devendo
por isso considerar o recurso prévio à impugnação administrativa como
pressuposto da impugnação contenciosa.
Maria Ana Sousa – 140112086
Maria Joana Gonçalves - 140112038
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