sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Recurso hierárquico necessário: na Nova e na Novíssima


Até à reforma de 2002/2004, para que o ato administrativo fosse impugnável contenciosamente, a doutrina, principalmente o Professor Freitas do Amaral, entendia que este tinha de observar uma tripla definitividade: vertical, horizontal e material.

A primeira questão que se coloca é então saber quais são as características que o ato tem de revestir para ser impugnável.

No Contencioso Administrativo clássico, vigorava o princípio da impugnação unitária do ato.  Só o ato horizontalmente definitivo, isto é, o ato final que põe termo ao procedimento,  era impugnável.  A exigência de definitividade horizontal do ato trazia consigo consequências nefastas para o particular. As ilegalidades praticadas ao longo do procedimento repercutiam-se na ilegalidade do ato final, consequentemente,  o ato final era ilegal em si mesmo, mas também o era devido a todas as ilegalidades do procedimento que o originou. Essas ilegalidades de procedimento deviam ser consideradas em si mesmas, não esquecendo que o ato final está inserido e é o resultado de um procedimento.
Com a Reforma de 2015, nos termos do artigo 51 nº2 e nº3 do CPTA,  esta característica da definitividade horizontal do ato como critério de impugnabilidade foi abandonada.  Tal como já o fazia antes desta Reforma, o Código confere ao particular a opção entre impugnar o ato final ou o ato intermédio (artigo 51º nº3).

Atendendo à definitividade vertical, só o ato praticado pelo superior hierárquico máximo era recorrível. Se o ato fosse praticado por um subalterno, a impugnação do ato estava dependente da observância do ónus de prévia utilização, pelo impugnante, das outras vias de impugnação administrativa – reclamação e recurso hierárquico.

Vamos focar-nos no recurso hierárquico necessário.

Segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o recurso hierárquico “constitui um dos mecanismos através dos quais o superior hierárquico pode exercer os seus poderes de intervenção sob o resultado do exercício das competências do subalterno, assegurando-se assim a preferência de principio pela sua vontade sobre a dos escalões hierarquicamente inferiores”.
Antes de 2002/2004, o Professor Vasco Pereira da Silva sempre defendeu a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário, invocando a violação do principio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares art. 268º/4 CRP, por condicionar o acesso ao tribunal administrativo mediante exercício prévio de um recurso administrativo; do principio da separação entre Administração e justiça art. 114º, 205º e seguintes e 216º CRP; do principio da desconcentração administrativa art. 267º/2 CRP, uma vez que tendo o órgão competência administrativa bastante, não fazia sentido impor a intervenção de órgão superior, dotado de poderes de superintendência e tutela, como condição necessária de acesso ao tribunal; e do principio da efetividade da tutela art. 268º/4 CRP, reduzindo-se em 1/3 o prazo de acesso à justiça. No entanto, esta posição não era sustentada pela restante doutrina nem pela jurisprudência.

Com a Reforma de 2002/2004, a grande alteração foi a de que o CPTA deixou de exigir, em termos gerais, a prévia impugnação dos atos para que estes pudessem ser objeto de impugnação contenciosa. A regra passou a ser então a da desnecessidade da utilização de vias de impugnação administrativa para aceder à via contenciosa. Atendendo ao art. 51º/1 CPTA, este veio extinguir a definitividade vertical, e consagrar a impugnabilidade de qualquer ato administrativo que seja susceptivel de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa. O art. 59º/4 e 5 CPTA veio consagrar que,  apesar do recurso prévio à via administrativa suspender o prazo de impugnação, tal não significa que o interessado não possa impugnar contenciosamente o ato na pendência da impugnação administrativa. Isto veio conferir uma maior eficácia às garantias administrativas, dado que o particular que decida optar previamente por essa via, sabe agora que o prazo para a impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação.

Se por um lado esta opção agradou a alguma da doutrina, como ao Professor Vasco Pereira da Silva, também foi criticada por outros, em destaque o Professor Freitas do Amaral que considerou que esta solução levaria a um “mar” de processos nos tribunais administrativos.

Podemos agora, em 2015, com a novíssima Reforma, perguntarmo-nos o que é acontece às normas do CPA referentes ao recurso hierárquico. A doutrina não é unânime.

Alguns autores consideram que o CPTA revogou a normas do CPA relativas ao recurso hierárquico. O Professor Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, adopta uma formulação de Jorge Miranda e entende que estamos perante uma situação em que as normas do CPA perdem eficácia, traduzindo-se o problema numa questão de caducidade da norma, uma vez desaparecem as circunstâncias de direito que justificavam a existência da norma, e assim a razão de ser do recurso hierárquico necessário. Não se devendo por isso considerar o recurso prévio à impugnação administrativa como pressuposto da impugnação contenciosa.


Maria Ana Sousa – 140112086
Maria Joana Gonçalves - 140112038


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