Nesta Clínica Cautelar a realidade é ligeiramente
diferente: a urgência já não é a mesma do serviço de urgências que temos
analisado (tal como, como todos sabemos, o reboliço em Private Practice não se
compara ao do Hospital de Seattle), mas o entusiasmo e a evolução que esta área
da prática administrativa tem sofrido fará certamente com que este episódio
chegue, se não ao mesmo nível, perto do nível de emoção a que o Serviço de
Urgências Administrativo nos habituou. Para este fim, um convidado
relatar-nos-á os aspectos mais relevantes desta realidade quase paralela.
QUAIS AS ALTERAÇÕES IMPLEMENTADAS EM MATÉRIA DE
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES?
Em matéria de providências cautelares foram
introduzidas, pela recente reforma do CPTA, muitas alterações, das quais algumas
importam distinguir.
Foi em primeiro lugar alargada a lista de possíveis
tipos de providências cautelares constante do nº 2 do artigo 112.º do CPTA.
Esta lista, meramente enunciativa (como resulta do emprego do termo
designadamente), tem, no entanto, um efeito garantístico relativamente a
determinados tipos de providência cuja admissibilidade poderia ser posta em
causa por uma aplicação mais restritiva do nº 1 desse mesmo artigo. Das alíneas
acrescentadas (alíneas f), g), h) e i)) são de destacar a alínea g) e alínea i)
pela sua inovadora contribuição para a ampliação do âmbito do processo cautelar
administrativo. A alínea g) do referido nº2 do artigo 112.º vem assegurar a admissibilidade
do embargo de obra nova, que era uma questão algo controversa na doutrina. A
alínea i), por seu turno, veio consagrar, com base no conceito de “fundado
receio”, uma verdadeira tutela antecipatória do contencioso afastando-o do
modelo francês (lógica do acto administrativo definitivo e executório),
aproximando-o do modelo anglo-saxónico. Era contudo desnecessária a distinção
expressa entre Direito administrativo nacional e europeu bastando que se
referisse, para o efeito, “Direito Administrativo” que englobaria
necessariamente os dois ordenamentos.
Em segundo lugar, pela adição do nº 4 e nº 5 ao
artigo 113.º, passou a ser possível a “modificação objectiva e subjetiva da instância
por alteração superveniente das circunstâncias ou do Ministério Publico ao
requerente primitivo (preambulo do Dl nº 214-G/2015, para. 6).
Em terceiro lugar, foram limitados, pela nova
redação do artigo 118º, os meios de prova, no sentido de evitar a “produção
desproporcionada e injustificada” desta.
Em quarto lugar, foi alterado o regime dos pressupostos
ou “critérios de decisão” tendo sido criado um regime único para providências
antecipatórias e conservatórias. São atualmente requisitos positivos das
providencias cautelares o (1)“fundado receio” de uma (2) lesão “de difícil
reparação” e haja (3) a probabilidade da procedência da ação principal. O artigo 120.º podia ter sido mais
desenvolvido, apesar de não ser necessariamente má a confiança no julgador, que
goza desta forma de uma maior margem de ponderação no caso concreto. Por ultimo
o artigo 127.º nº1 foi alterado no sentido de remeter para as regras de
Processo Civil à execução de providencias cautelares contra particulares, “
sendo-lhes aplicável o regime dos processes urgentes” (127.º nº 1, in fine). Esta norma bastante confusa é
um tanto quanto esquizofrénica aplicando regimes diferentes aos intervenientes
no contencioso, podendo dar origem a situações descabidas, como acontecerá em
caso de litisconsórcio passivo.
Para finalizar, e apesar de não modificar o regime,
ainda é de se chamar a atenção para a subtil alteração da letra do nº1 do
artigo 122.º que vem realçar a noção de “partes”, trave mestra do novo
paradigma do contencioso administrativo por consistir numa das mais
significativas cisões com o paradigma anterior (em que ao administrado
requerente a titulo objetivo se opunha a autoridade recorrida). Foi também
substituída a expressão “autoridade requerida” para “demais pessoas e
entidades” no sentido de aperfeiçoar a letra deste numero adaptando-a melhor
quer à logica do processo de partes quer a um processo pluridireccionado já não
abrangendo apenas autoridades públicas em sentido estrito.
QUE TIPOS DE PROVIDÊNCIAS CAUTELARES PODEMOS
ENCONTRAR NESTE LADO DA URGÊNCIA?
Segundo o artigo 113.º nº 1 do CPTA podem as
Providências cautelares ser preliminares ou incidentes do processo consoante o
momento em que são requeridas, sendo preliminares quando requeridas antes de
ser intentada a acção principal e incidentes ao processo as restantes. Estas últimas
podem ser simultâneas quando requeridas juntamente com a interposição da ação
principal ou posteriores quando apensadas aos autos durante o decorrer da desta.
SERÁ O ARTIGO 128.º TOTALMENTE ADEQUADO?
O regime do nº1 do artigo 128.º é completamente
disparatado pelo facto de facultar à administração a possibilidade de não
aceitar os efeitos de uma providência cautelar pela simples alegação de lesão
grave do interesse público. Esta disposição enfraquece o sistema cautelar do
contencioso administrativo por permitir uma sobreposição do interesse pública
aos direitos subjetivos dos particulares que opera por vontade da “autoridade
administrativa. O pré-contencioso cautelar é assim a maçã podre do processo
cautelar prejudicando a qualidade de todo o sistema, tem por isso de se
restringir o seu âmbito ao mínimo possível à interpretação aplicando-o apenas
aos pedidos de mera suspensão da eficácia de um acto administrativo.
FIM DA SÉRIE
A nossa passagem pela Clínica Cautelar foi breve,
mas esperamos que suficientemente elucidativa. Este ano ficamos por aqui, sem
mais tema relevante a ser tratado nesta temporada.
Se gostou não deixe de investir nesta temática,
muito mais do que aquilo que foi mostrado há para saber!
Gonçalo Calheiros Veloso – 140112059
Maria Inês Serrazina - 140112006
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