quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Jurisdição Administrativa

A competência dos tribunais administrativos encontra-se estatuída no artigo 212º/3 CRP, cuja interpretação é controversa, colocando-se questões quanto ao seu alcance, desde logo no que respeita a determinar se esta reserva consagra uma reserva material absoluta de jurisdição aos tribunais adminisrativos, ou seja, se os tribunais administrativos só têm competência para julgar questões de direito administrativo ou, se pelo contrário, consagra que só os tribunais administrativos poderão julgar tais questões.
Para compreender o seu alcance é necessário termos em conta as circunstâncias da sua criação. Este preceito constitucional foi introduzido na revisão de 1989, com a intenção de consagrar a ordem jurídica administrativa como jurisdição própria, ordinária, tentando instaurar e integrar o sistema administrativo no direito fundamental de acesso à justiça (268º/4 CRP). É, portanto, compreensivel que nele venha regulado a área própria da ordem jurisdicional administrativa e fiscal no contexto da organização dos tribunais.
Quanto à primeira questão, podemos resolver através da analogia aos tribunais militares, uma vez que estes seriam tribunais especiais, só poderiam julgar questões que lhes fossem constitucionalmente atribuídas, apontando para uma reserva negativa de jurisdição. Comparando à matéria administrativa, deveriam ser declaradas inconstitucionais as leis que conferissem aos Tribunais Administrativos competência para o conhecimento de questões que não resultassem de relações jurídicas administrativas. 
Contudo, a doutrina não evoluiu neste sentido, defendendo a existência de uma atribuição geral de resolução de litígios provenientes da actividade administrativa ainda que, resultassem aspectos de natureza privada. Esta tendência veio a ter uma crescente utilização pois, ao longo da evolução da actividade administrativa passaram a ser utilizados mecanismos de direito privado no exercício das suas funções.
Quanto à segunda questão, parte da doutrina tem entendido que, resulta da constituição uma reserva perante a qual o legislador não pode atribuir a outros tribunais o julgamento de litígios materialmente administrativos, ressalvando-se a possibilidade de devoluções de competência em matéria administrativa para outros tribunais, previstas ao nível constitucional ou em casos de estado de necessidade.
Há ainda quem defenda uma posição mitigada, entendendo ser possível a remissão para os tribuais comuns (judiciais) das questões emergentes de relações jurídias administrativas em certos casos, como os que digam respeito a questões de direitos fundamentais dos cidadãos, assegurando-se uma maior protecção desses direitos. Uma posição próxima a esta, actualmente ultrapassada era a defendida pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que distinguia entre o contencioso de natureza, exclusivo dos tribunais administrativos, e o contencioso de atribuição acidental, que era susceptivel de ser conferido aos tribunais comuns. Dúvidas não há quanto à atribuição aos tribunais judiciais de uma competência jurisdicional residual consagrado nos artigo 211ºCRP e 66º CPC, (uma interpretação tão rigorosa suscitaria dúvidas quando à constitucionalidade das leis nas matérias que se encontrassem nessa fronteira.).
Com o exposto, parece que a interpretação do preceito mais razoável é a que defende que este apenas pretende consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa.
Analisando agora o âmbito orgânico desta jurisdição, é necessário, a par da concretização do conteúdo estabelecido na cláusula geral da constituição, consagrar outros preceitos.
No conteúdo do ETAF, o artigo 1º consagra uma cláusula geral que define a competência dos tribunais administrativos de um ponto de vista substancial, e determinar esta competência estabelecida no artigo 4º ETAF, contudo, esta continua a suscitar certas dúvidas, uma vez que, é impossivel identificar todos os litígios existentes e; é impossivel a sua classificação exaustiva. Nestes preceitos temos uma enumeração positiva (meramente concretizadora) e negativa (restringindo manifestamente o seu âmbito), consagrando os litígios cuja solução compete ou não aos tribunais. 
Numa rápida análise ao artigo 4º do ETAF, a redacção da alínea a) do n.º 1 consagra a tutela de direitos e interesses fundamentais emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais, aparecendo os juízes como “juízes da constitucionalidade” das formas de atuação administrativa. A alínea b), abrange agora, os actos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, sendo a sua anterior redação consagrada em parte agora na alinea e). Na alínea 4º/1/c) e d) mantém a redação, englobando na jurisdição administrativa todos os actos praticados no exercício da função administrativa e a fiscalização da legalidade de actuações materialmente administrativas de sujeitos que não sejam formalmente administrativos. 
Com a revisão feita em 2015, a alínea e), passou a englobar a generalidade dos contratos da Administração Pública. A alínea f), possui carácter aditvo uma vez que a grande alteração focou-se na inclusão dos danos resultantes do exercício das funções políticas (resolvendo dúvidas que anteriormente se suscitvam quanto à jurisdição competente), legislativa e jurisdicional. A alínea g), abrange a responsabilização perante a administração dos órgãos, funcionários e agentes ou demais servidores públicos quanto aos actos pessoais e funcionais que venham a praticar no exercício das suas funções. Na alínea h), e na continuação da ideia expressa pelas alíneas anteriores, são abrangidas as acções de responsabilidade dos sujeitos privados que se incluam nos entes privados administrativos.
Quanto á delimitação negativa, são vários, também, os preceitos que determinam os litígios que não cabem na jurisdição administrativa. São exemplos, os nº 3 e 4 do mesmo artigo. Há ainda os preceitos subtractivos, que retiram à jurisdição administrativa a competência para conhecer de certas questões de direito administrativo (são exemplo deste tipo de preceitos os artigos 4º/3/c), 4º/4/b) e c), e ainda a alínea m) do nº 1).
Uma última nota, relativamente aos preceitos legais que consagram a competência dos tribunais administrativos, para além da Constituição e do ETAF, é necessário considerar ainda um conjunto de leis especiais que possam conferir expressamente a competência para o julgamento, ou não, de questões de direito administrativo a tribunais não administrativos (são exemplo, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

Bárbara Duarte, nº140112015


Sem comentários:

Enviar um comentário