O ano de 2004 fica para a História do Contencioso
Administrativo Português. Ano da Reforma. Uma reforma que se ansiava, tais eram
flagrantes os traumas do Direito Administrativo, desde o seu nascimento e pela
infância difícil que passou e que, naturalmente, afetou e afeta ainda o
Contencioso Administrativo.
Com a reforma de 2004, que começou a ser desenhada num
guardanapo de papel, numa mesa redonda a
que compareceram os melhores especialistas do Direito Administrativo Português,
houve um enorme impacto prático, já que a reforma foi realmente uma reforma, na
verdadeira aceção do termo. Porque com ela reforçou-se a própria essência do Estado de Direito que, enquanto Estado se encontra na sua atuação limitado pela
lei e, muito importante, no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
Assim, a referida reforma veio transformar um contencioso
que era tradicionalmente de mera anulação de atos administrativos num
contencioso de plena jurisdição. Os cidadãos, em caso de litígio com a
Administração Pública, passaram a poder aceder aos Tribunais Administrativos,
não só para poderem deduzir as suas pretensões anulatórias, mas também para
pedir a condenação da Administração e para verem reconhecidos os seus direitos.
Ainda para fazerem reconhecer a titularidade de situações jurídicas subjetivas,
com a adopção das necessárias providências cautelares que evitassem a
constituição de situações de fato consumado, assegurando assim a tutela dos
direitos dos particulares em tempo útil, bem como o efeito útil da própria
sentença em relação ao processo principal. Foi de facto uma grande viragem!
Afinal, mais vale tarde do que nunca e aqui a reforma de 2004 assegurou o
princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Na verdade, estas reformas por norma não são nem fáceis nem
tão atempadas como seria desejável e como, aliás, estava previsto. A lei que
então aprovou o Código de Processo nos Tribunas Administrativos, a lei nº
15/2002 de 22 de fevereiro, previa que o mesmo seria revisto no prazo de 3 anos
a contar da sua entrada em vigor, ou seja, 1 de janeiro de 2004. Mas foi
preciso esperar-se mais de 10 anos para que avançasse a revisão do CPTA e,
assim sendo, fazer esta “novíssima reforma”, como lhe gosta de chamar Vasco
Pereira da Silva. E muitos problemas poderiam ter-se evitado, nomeadamente em
relação ao “timing”, já que este CPTA surgiu este ano na reta final de uma
legislatura e entrou em vigor agora, já noutra legislatura, inclusive com um
Governo diferente. Um ano de antecedência, pelo menos, teria evitado alguma dor de cabeça!
Certo é que, seja como for, temos uma novíssima reforma que,
de acordo com o Governo de então, terá tido em conta muitos dos contributos
dados pela doutrina e pela jurisprudência nos últimos 10 anos.
Muito sumariamente, há alguns aspetos que aqui me atrevo a
destacar deste novo CPTA que faz também alguns pontos de viragem.
Nomeadamente o fim do regime dualista da ação administrativa
especial e ação administrativa comum, uma vez que agora passam todos os
processos não urgentes do contencioso administrativo a tramitarem sob uma única
forma de ação, designada simplesmente como ação administrativa.
Outro aspecto prende-se com a recente reforma do Código de
Processo Civil, a qual acabou por ter influência determinante na tramitação da
nova ação administrativa, acolhendo-se muitas das novidades trazidas pelo novo
CPC, de 2013.
Neste CPTA quis ainda o legislador dar uma resposta célere
aos chamados processos de massa, com a concentração num único processo, a
correr num único tribunal, das muitas pretensões que os participantes em
procedimentos de massa, como os concursos na Administração Pública, pretendem
deduzir no contencioso administrativo.
E significativa é também a modificação no regime de
providências de suspensão de eficácia de atos administrativos em que, no
respeito pelos interesses dos particulares, se permite que seja o juiz cautelar
a decidir, em tempo útil, no respeito pelo contraditório, pela manutenção ou supressão
do efeito automático suspensivo da providência cautelar em causa, revogando-se
assim o regime anterior das chamadas resoluções fundamentadas.
São de facto duas reformas, a de 2004 e a de 2015, que
significam dois passos em frente nesta caminhada do Contencioso Administrativo.
Ainda que, e é preciso dizê-lo, haja ainda bastante a fazer para que este
caminho se torne mais iluminado, mais claro. Há de facto ainda muito a fazer, o
que por um lado até é bom já que nós, alunos, futuros juristas
recém-licenciados, ganhando gosto e motivação pelo Contencioso Administrativo,
como nicho de mercado que ainda é, podemos arregaçar as mangas e “deitar mãos
ao trabalho”, como se costuma dizer.
Na minha opinião, começaria por tentar alterar uma situação
de que não gosto particularmente, a que Vasco Pereira da Silva se refere como “gato
escondido com rabo de fora”. A situação do critério da lesão, se é critério característico
da legitimidade ou da impugnabilidade do ato, e que Sérvulo Correia, como legislador
e defensor da primeira hipótese, acabou por fazer valer a sua opinião no art. 55º,nº1-a
CPTA. Mal, até porque a doutrina deve deixar-se para os professores universitários
e não ser misturada com o papel do legislador, como refere Vasco Pereira da
Silva.
Mas esse seria só o início da minha própria caminhada, “a
solo”, pelo Contencioso Administrativo.
Helena Fonseca
Aluna nº 140112507
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