quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Duas reformas importantes, dois passos em frente e ainda muito para fazer na vida do Contencioso Administrativo Português



O ano de 2004 fica para a História do Contencioso Administrativo Português. Ano da Reforma. Uma reforma que se ansiava, tais eram flagrantes os traumas do Direito Administrativo, desde o seu nascimento e pela infância difícil que passou e que, naturalmente, afetou e afeta ainda o Contencioso Administrativo.
Com a reforma de 2004, que começou a ser desenhada num guardanapo de papel, numa mesa  redonda a que compareceram os melhores especialistas do Direito Administrativo Português, houve um enorme impacto prático, já que a reforma foi realmente uma reforma, na verdadeira aceção do termo. Porque com ela reforçou-se a própria essência do Estado de Direito que, enquanto Estado se encontra na sua atuação limitado pela lei e, muito importante, no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
Assim, a referida reforma veio transformar um contencioso que era tradicionalmente de mera anulação de atos administrativos num contencioso de plena jurisdição. Os cidadãos, em caso de litígio com a Administração Pública, passaram a poder aceder aos Tribunais Administrativos, não só para poderem deduzir as suas pretensões anulatórias, mas também para pedir a condenação da Administração e para verem reconhecidos os seus direitos. Ainda para fazerem reconhecer a titularidade de situações jurídicas subjetivas, com a adopção das necessárias providências cautelares que evitassem a constituição de situações de fato consumado, assegurando assim a tutela dos direitos dos particulares em tempo útil, bem como o efeito útil da própria sentença em relação ao processo principal. Foi de facto uma grande viragem! Afinal, mais vale tarde do que nunca e aqui a reforma de 2004 assegurou o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Na verdade, estas reformas por norma não são nem fáceis nem tão atempadas como seria desejável e como, aliás, estava previsto. A lei que então aprovou o Código de Processo nos Tribunas Administrativos, a lei nº 15/2002 de 22 de fevereiro, previa que o mesmo seria revisto no prazo de 3 anos a contar da sua entrada em vigor, ou seja, 1 de janeiro de 2004. Mas foi preciso esperar-se mais de 10 anos para que avançasse a revisão do CPTA e, assim sendo, fazer esta “novíssima reforma”, como lhe gosta de chamar Vasco Pereira da Silva. E muitos problemas poderiam ter-se evitado, nomeadamente em relação ao “timing”, já que este CPTA surgiu este ano na reta final de uma legislatura e entrou em vigor agora, já noutra legislatura, inclusive com um Governo diferente. Um ano de antecedência, pelo menos, teria evitado alguma dor de cabeça!
Certo é que, seja como for, temos uma novíssima reforma que, de acordo com o Governo de então, terá tido em conta muitos dos contributos dados pela doutrina e pela jurisprudência nos últimos 10 anos.
Muito sumariamente, há alguns aspetos que aqui me atrevo a destacar deste novo CPTA que faz também alguns pontos de viragem.
Nomeadamente o fim do regime dualista da ação administrativa especial e ação administrativa comum, uma vez que agora passam todos os processos não urgentes do contencioso administrativo a tramitarem sob uma única forma de ação, designada simplesmente como ação administrativa.
Outro aspecto prende-se com a recente reforma do Código de Processo Civil, a qual acabou por ter influência determinante na tramitação da nova ação administrativa, acolhendo-se muitas das novidades trazidas pelo novo CPC, de 2013.
Neste CPTA quis ainda o legislador dar uma resposta célere aos chamados processos de massa, com a concentração num único processo, a correr num único tribunal, das muitas pretensões que os participantes em procedimentos de massa, como os concursos na Administração Pública, pretendem deduzir no contencioso administrativo.
E significativa é também a modificação no regime de providências de suspensão de eficácia de atos administrativos em que, no respeito pelos interesses dos particulares, se permite que seja o juiz cautelar a decidir, em tempo útil, no respeito pelo contraditório, pela manutenção ou supressão do efeito automático suspensivo da providência cautelar em causa, revogando-se assim o regime anterior das chamadas resoluções fundamentadas.
São de facto duas reformas, a de 2004 e a de 2015, que significam dois passos em frente nesta caminhada do Contencioso Administrativo. Ainda que, e é preciso dizê-lo, haja ainda bastante a fazer para que este caminho se torne mais iluminado, mais claro. Há de facto ainda muito a fazer, o que por um lado até é bom já que nós, alunos, futuros juristas recém-licenciados, ganhando gosto e motivação pelo Contencioso Administrativo, como nicho de mercado que ainda é, podemos arregaçar as mangas e “deitar mãos ao trabalho”, como se costuma dizer.
Na minha opinião, começaria por tentar alterar uma situação de que não gosto particularmente, a que Vasco Pereira da Silva se refere como “gato escondido com rabo de fora”. A situação do critério da lesão, se é critério característico da legitimidade ou da impugnabilidade do ato, e que Sérvulo Correia, como legislador e defensor da primeira hipótese, acabou por fazer valer a sua opinião no art. 55º,nº1-a CPTA. Mal, até porque a doutrina deve deixar-se para os professores universitários e não ser misturada com o papel do legislador, como refere Vasco Pereira da Silva.
Mas esse seria só o início da minha própria caminhada, “a solo”, pelo Contencioso Administrativo. 

Helena Fonseca
Aluna nº 140112507

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