quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Recurso hierárquico (des)necessário


  Já desde os primórdios do Direito Administrativo que se tem vindo a discutir a figura do "recurso hierárquico necessário", tendo esta sido entendida por uma parte considerável da doutrina como pressuposto para que o particular lançasse mão do seu direito de ação para se fazer valer judicialmente dos seus direitos perante a Administração. O esgotamento das vias administrativas de recurso ou a chamada "definitividade vertical" marcadamente presentes nos tempos em que se insistia, na esteira do Prof. Marcelo Caetano, em falar em "acto definitivo e executório" deve hoje considerar-se como um fantasma do passado.
  Se, no plano substantivo, no período dos traumas da infância difícil, se partia da concepção de acto administrativo com as características vistas supra (a definitividade e executoriedade) a consequência a retirar no plano dos pressupostos processuais, nomeadamente no plano da impugnabilidade do acto, era a de se exigir o esgotamento das vias administrativas disponiveis só depois podendo o particular recorrer à via judicial.
 Apesar de ser o ano de 1989 que marca a mudança de paradigma no âmbito do Direito Administrativo, ao afastar-se da letra da lei fundamental a referência ao acto definitivo e executório, caminhando-se assim no sentido de um contencioso da tutela plena e efectiva de direitos dos particulares, a controvérsia a propósito desta figura esteve e está ainda bem presente.
  Cabe notar que desde essa data que alguma doutrina (apesar de minoritária) em que se inclui o Prof. Vasco Pereira da Silva tem vindo a defender a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário com base essencialmente em três argumentos. O primeiro desses argumentos, que na verdade se poderia desdobrar em dois, diz respeito à exigência constitucional de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares (art. 268/4 CRP), tutela essa que, ao exigir-se o recurso administrativo para o superior hierárquico, é directamente posta em causa, por implicar na prática uma preclusão do direito de acção do particular. Já o segundo argumento prende-se com o principio da separação de poderes por esta figura ser na verdade ainda uma manifestação da promiscuidade entre Administração e Justiça que remonta aos primórdios do Direito Administrativo, confundindo-se o que são poderes administrativos com o que são poderes próprios de órgãos jurisdicionais. Por fim, mas não menos importante, o Professor fundamenta o seu juízo de inconstitucionalidade no príncipio da desconcentração administrativa (267/2 CRP), que exije a repartição de competências para tomar decisões pelos vários órgãos, sendo de afastar a monopolização de poderes decisórios no superior hierárquico.
  No plano da lei processual administrativa foi necessário esperar até 2004 para que se deixasse de usar como critério para a impugnabilidade do acto a definitividade e executoriedade deste e se passasse a ter em conta o critério da lesão dos direitos dos particulares. Porém, tal não implicou que o fantasma do recurso hierárquico necessário desparecesse por completo, não sendo ainda hoje plenamente pacíficos os termos em que deve ser afastado o recurso hierárquico necessário, havendo autores como o Prof. Mário Aroso de Almeida que não afasta a possibilidade de previsão em lei especial da exigência do recurso hierárquico necessário.
  Concluindo, cabe sublinhar que a inconstitucionalidade desta figura é latente, não só pelas razões concretamente apontadas supra, mas também, porque ao estar a exigir este pressuposto processual adicional no seio da acção de impugnação está a ser restringido um direito fundamental, nomeadamente o direito fundamental de acção do particular que viu o seu direito lesado, o que implica que sejam respeitados os trâmites do art. 18 da CRP para a restrição desse mesmo direito, exigindo-se um juízo de proporcionalidade. Ora tal juizo, terá de levar a concluir pela inconstitucionalidade em razão da ponderação dos interesses em análise, só se contrapondo na verdade o interesse do particular ao interesse da racionalização do recurso à justiça, o que implica a necessária prevalência da salvaguarda dos direitos dos particulares quando se olha aos dois lados da balança. Assim sendo, na minha perspectiva, esta figura é também inconstitucional por ser um recurso hierárquico na verdade desnecessário e violador do principio da proporcionalidade nas suas três vertentes.

Beatriz Pereira da Silva
140112048

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