quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A manifestação da Revolução Francesa na Psicanálise do Contencioso Administrativo


 
Como é vastamente sabido, o Contencioso Administrativo Português é uma área do Direito marcada por uma infância traumática que influenciou a sua evolução futura, derivada de diversos motivos relacionados com o contexto europeu desfavorável em que surgiu. Numa sintética abordagem histórico-cultural, procurarei referir os principais elementos factuais que se verificaram na Europa no século XVIII e que se consubstanciaram na Revolução Francesa, em 1789, dando origem a um contencioso que influenciou o português.

Partindo de uma primeira análise, é a Revolução Francesa que marca os primórdios do contencioso administrativo, sendo que foram os acontecimentos antecedentes que possibilitaram a emersão deste ramo do direito marcado por sequelas de uma infância que não foi vivida em harmonia. Deste modo, torna-se relevante salientar o contexto europeu vivido no período pré-Revolução.

            Em primeiro lugar, de analisar o conceito de Estado tido até então. O Estado era visto como que uma entidade mítica que concentrava em si todos os poderes. Como tal, o poder administrativo e jurisdicional eram realidades idênticas, não havendo necessidade de controlo da administração pelos tribunais, uma vez que ambos os poderes se controlavam mutuamente (ao contrário do que acontecia no Reino Unido, em que a administração era controlada pelos tribunais comuns). Com a revolução, estes dois poderes deixam de ser realidades idênticas para passarem a ser realidades separadas, numa lógica de separação de poderes.

            A segunda realidade está relacionada com o papel de elevada relevância que os tribunais tiveram no Antigo Regime em França, associado ao facto de o controlo desse poder jurisdicional ser exercido por parte na nobreza. Tratava-se deste modo de um obstáculo à concentração do poder no Rei. Ora com a revolução, a lei é alterada. E apesar de haver um agradecimento dos revolucionários ao papel dos tribunais no combate contra o absolutismo do poder real até então, considera-se já desnecessário esse controlo da administração pelos tribunais, pela nobreza, uma vez que o país se encontrava agora entregue “em boas mãos”. Consequentemente, os tribunais são deste modo proibidos de controlar a administração.

Por último, de referir que existia até à data um Conselho do Rei, criado para fiscalizar os actos do governo. Com a revolução, é criado um conselho de estado, com as exactas mesmas funções que o anterior.

Foram estes alguns dos factos traumáticos anteriores à revolução que influenciaram as opções tomadas pelos revolucionários no quadro do contencioso, que nasce nessa época. Verifica-se aqui uma ruptura com algumas dessas realidades.


A revolução Francesa, datada de 1789, e fundamentada na implementação dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, veio a tomar medidas de modo a estabelecer o princípio da separação de poderes. Como tal, decide proibir totalmente os tribunais de julgar e controlar a administração. Porém, esta decisão acaba por na verdade estabelecer uma situação de promiscuidade entre o poder jurisdicional e administrativo, uma vez que vai gerar uma confusão entre os dois poderes, em vez de os separar, gerando uma contrariedade com o liberalismo politico que era pretendido.

Esta ideologia corresponde ao primeiro período de existência do Contencioso Administrativo, que vai durar entre o século XVIII e XIX. Já no século XX, a proibição do controlo da administração pelos tribunais vai ser abolida, sendo introduzida a jurisprudencialização dos tribunais administrativos, ainda que meramente parcial. Deste modo, vai ser permitido o controlo da actuação administrativa, embora de forma limitada, sendo conferido aos juízes o poder limitado de anular decisões da administração, embora não as possam condenar ou dar ordens.


Em conclusão, é relevante reter o forte papel que os contextos pré-revolucionário e revolucionário tiveram no nascimento do contencioso. Embora hoje em dia tenha vindo a sofrer inúmeras alterações, tendo atingido uma fase adulta mais equilibrada, não nos podemos descurar dos diversos traumas que marcaram aquilo que foi um nascimento e uma infância difíceis, em que os ideais então defendidos em nada se aproximam com a realidade actual. Mas para chegarmos à realidade actual, foi necessário um grande esforço de inovação e constante evolução, pois tal como acontece com uma criança, o facto de ter tido uma infância complexa não impossibilita a transformação num adulto equilibrado e harmonioso.
 
 
Inês Santos Assis Ferreira - 140111024

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