Como é
vastamente sabido, o Contencioso Administrativo Português é uma área do Direito
marcada por uma infância traumática que influenciou a sua evolução futura,
derivada de diversos motivos relacionados com o contexto europeu desfavorável em
que surgiu. Numa sintética abordagem histórico-cultural, procurarei referir os
principais elementos factuais que se verificaram na Europa no século XVIII e
que se consubstanciaram na Revolução Francesa, em 1789, dando origem a um
contencioso que influenciou o português.
Partindo de
uma primeira análise, é a Revolução Francesa que marca os primórdios do
contencioso administrativo, sendo que foram os acontecimentos antecedentes que
possibilitaram a emersão deste ramo do direito marcado por sequelas de uma
infância que não foi vivida em harmonia. Deste modo, torna-se relevante salientar
o contexto europeu vivido no período pré-Revolução.
Em
primeiro lugar, de analisar o conceito de Estado tido até então. O Estado era
visto como que uma entidade mítica que concentrava em si todos os poderes. Como
tal, o poder administrativo e jurisdicional eram realidades idênticas, não havendo
necessidade de controlo da administração pelos tribunais, uma vez que ambos os
poderes se controlavam mutuamente (ao contrário do que acontecia no Reino
Unido, em que a administração era controlada pelos tribunais comuns). Com a revolução,
estes dois poderes deixam de ser realidades idênticas para passarem a ser
realidades separadas, numa lógica de separação de poderes.
A
segunda realidade está relacionada com o papel de elevada relevância que os
tribunais tiveram no Antigo Regime em França, associado ao facto de o controlo
desse poder jurisdicional ser exercido por parte na nobreza. Tratava-se deste
modo de um obstáculo à concentração do poder no Rei. Ora com a revolução, a lei
é alterada. E apesar de haver um agradecimento dos revolucionários ao papel dos
tribunais no combate contra o absolutismo do poder real até então, considera-se
já desnecessário esse controlo da administração pelos tribunais, pela nobreza,
uma vez que o país se encontrava agora entregue “em boas mãos”. Consequentemente,
os tribunais são deste modo proibidos de controlar a administração.
Por último, de
referir que existia até à data um Conselho do Rei, criado para fiscalizar os
actos do governo. Com a revolução, é criado um conselho de estado, com as
exactas mesmas funções que o anterior.
Foram estes
alguns dos factos traumáticos anteriores à revolução que influenciaram as opções
tomadas pelos revolucionários no quadro do contencioso, que nasce nessa época. Verifica-se
aqui uma ruptura com algumas dessas realidades.
A revolução
Francesa, datada de 1789, e fundamentada na implementação dos ideais de
liberdade, igualdade e fraternidade, veio a tomar medidas de modo a estabelecer
o princípio da separação de poderes. Como tal, decide proibir totalmente os
tribunais de julgar e controlar a administração. Porém, esta decisão acaba por
na verdade estabelecer uma situação de promiscuidade entre o poder
jurisdicional e administrativo, uma vez que vai gerar uma confusão entre os
dois poderes, em vez de os separar, gerando uma contrariedade com o liberalismo
politico que era pretendido.
Esta ideologia
corresponde ao primeiro período de existência do Contencioso Administrativo, que
vai durar entre o século XVIII e XIX. Já no século XX, a proibição do controlo
da administração pelos tribunais vai ser abolida, sendo introduzida a
jurisprudencialização dos tribunais administrativos, ainda que meramente
parcial. Deste modo, vai ser permitido o controlo da actuação administrativa, embora
de forma limitada, sendo conferido aos juízes o poder limitado de anular decisões
da administração, embora não as possam condenar ou dar ordens.
Em conclusão,
é relevante reter o forte papel que os contextos pré-revolucionário e
revolucionário tiveram no nascimento do contencioso. Embora hoje em dia tenha
vindo a sofrer inúmeras alterações, tendo atingido uma fase adulta mais equilibrada,
não nos podemos descurar dos diversos traumas que marcaram aquilo que foi um
nascimento e uma infância difíceis, em que os ideais então defendidos em nada
se aproximam com a realidade actual. Mas para chegarmos à realidade actual, foi
necessário um grande esforço de inovação e constante evolução, pois tal como acontece
com uma criança, o facto de ter tido uma infância complexa não impossibilita a transformação
num adulto equilibrado e harmonioso.
Inês Santos Assis Ferreira - 140111024
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