quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Providências cautelares: a suspensão da eficácia de um acto administrativo.

As providências cautelares caracterizam-se pela urgência e visam salvaguardar o efeito útil da sentença final. Distinguem-se dos processos urgentes autónomos na medida em que o objectivo daquelas é assegurar a utilidade de uma acção principal enquanto estes últimos, tratando-se de processos principais, conduzem à satisfação integral do pedido, à produção de decisões de mérito.
Por se tratar de um processo de prevenção contra a demora da lide principal, o processo cautelar caracteriza-se pela instrumentalidade e pela provisoriedade. A providência cautelar é instrumental porque depende de uma causa principal. O particular pode suscitar o pedido cautelar antes de apresentar a acção principal mas, como consequência dessa instrumentalidade, o processo cautelar caducará se o particular não chegar a apresentar uma acção principal. Provisória, visto não estar em causa a solução definitiva do litígio.
O novo CPTA pretende assegurar a efectividade do processo e da decisão que advier da providência cautelar. Entra aqui o chamado “pré-processo cautelar”, presente no art. 128º CPTA, que estabelece a suspensão de eficácia de um acto administrativo como uma espécie de pré-efeito, segundo o qual, tendo a autoridade administrativa recebido o “duplicado do requerimento” da suspensão de eficácia de um acto administrativo, não poderá iniciar ou prosseguir a sua execução. Daqui se retira que o simples conhecimento por parte da Administração de tal requerimento determina a proibição automática de execução do acto (cujo ónus de impedir que o acto continue a ser executado recai sobre a autoridade administrativa). Veja-se o teor do artigo:
“Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.” Art. 128º, nº 2 CPTA
O número 4 do mesmo artigo, que a seguir se transcreve, encontra-se no centro de discussões doutrinais, na medida em que se refere apenas ao pedido de declaração de ineficácia pelo tribunal dos “atos de execução indevida”.
“O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.” Art. 128º, nº4 CPTA
Este pedido entra no processo cautelar como uma providência cautelar secundária – só pode ser iniciada até ao trânsito em julgado da decisão de suspensão do acto administrativo. O problema vem a colocar-se em situações nas quais não existem actos de execução.
“O conceito de acto de execução a utilizar tem necessariamente de ser o conceito restrito ou formal (…), sob pena de se permitir uma agressão desproporcional e, consequentemente, ilícita e ilegal do direito de edificação e de propriedade privada do contra-interessado, bem como, ainda, da tutela judicial efectiva que este como, titular passivo da relação processual, também tem de ver acautelado. (…) O artigo 128º, nº 2 do CPTA, a não ser interpretado no caso concreto do modo supra descrito, constituirá uma agressão desproporcional na tutela judicial efectiva da aqui apelante que também é parte no processo administrativo em curso, pelo que o tribunal a quo violou a proporcionalidade com que este direito, liberdade e garantia pode ser restringido ao interpretá-lo da forma contrária ao defendido pelo aqui apelante.” Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 1/04/2011, P. 1910/09.
Por fim, este regime de proibição de executar o acto administrativo tem sido alvo de várias críticas ao estabelecer que tal proibição automática de execução do acto pode ser superada pela própria Administração, parte no processo em curso, num prazo de 15 dias, através de uma resolução fundamentada.
“Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.” Art. 128, nº1 CPTA
Assiste-se aqui a uma transferência da resolução do litígio para a Administração que afere, em primeira decisão, a existência de grave prejuízo para o interesse público. Assim, o juíz, em vez de decidir imediatamente sobre o pedido de suspensão da eficácia do acto, irá, em primeiro lugar, apreciar a tal resolução fundamentada e só depois decidirá sobre o caso. Como consequência de se deixar a decisão sobre a execução do acto nas mãos da Administração, deixam-se, por outro lado, os particulares desprotegidos.
Estas discussões doutrinais passam sempre pela ponderação e confronto entre os interesses dos particulares legalmente protegidos e a prossecução do interesse público, e se essa ponderação deve ser feita pela própria Administração ou pelo Tribunal.
É meu entendimento que os juízes, na aplicação desta norma, devem ser muito rigorosos na verificação dos fundamentos para a invocação do interesse público pela administração, sob pena de se generalizar a utilização e abuso da invocação do interesse público para impedir a suspensão de eficácia do acto administrativo. Cabe assim, uma vez mais, sobre o juíz, o poder final da interpretação da lei e aplicação apenas às realidades que ela verdadeiramente visa regular.
Beatriz Resina da Silva
140112024

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