sábado, 31 de outubro de 2015

O Silêncio dos Inocentes:

Nota prévia: O critério geral da impugnabilidade de actos administrativos encontra-se plasmado no artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa - é o denominado “critério da lesão de direitos/interesses dos particulares”. A própria norma é clara ao indicá-lo, e a tarefa do intérprete afigura-se facilitada: “ É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem (…)”.

Ao analisar a matéria da “impugnação de actos administrativos” na “Novíssima” reforma, o intérprete depara-se logo à partida com a questão de saber quais são as decisões que podem ser objecto de impugnação (pressuposto da impugnabilidade). E aí, o legislador responde-lhe: “(…) são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (…)”- artigo 51º/1 CPTA.

É dado portanto, pelo legislador, um “critério dos efeitos jurídicos externos” para determinação daquilo que pode ser impugnado pelo administrado. Mas terá o legislador dito tudo? Não estará a sua resposta incompleta?

A verdade é que, bem antes, no capítulo das “Disposições Fundamentais”, mais precisamente no artigo 9º/1 do mesmo diploma legal, já havia o legislador consagrado que o critério para a acção é o da lesão de direitos/interesses dos particulares, uma vez que indica que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. E ainda o artigo 10º/1 a propósito da “legitimidade passiva” faz com que não restem dúvidas: “Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e (…) contra as pessoas titulares de interesses contrapostos aos do autor”.

Se assim é, por que razão é que o legislador deixou cair do artigo 51º/1 o critério da lesão do direito? Por que razão se silenciou?

É que, no artigo 55º/1 CPTA, a propósito da Legitimidade activa para impugnar actos administrativos, o legislador volta a falar do critério do 268/4 CRP: “ Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo: Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Das normas mencionadas, da sistematização e em resultado do silêncio do legislador (que mais tarde já usa da palavra) pode o intérprete fazer o seguinte juízo crítico: o critério da “lesão do direito” é necessariamente mais amplo do que o dos “efeitos jurídicos externos”, ou melhor, é de prévia análise em relação ao segundo, porque verdadeiramente é de lesão que o administrado se queixa e não somente da afectação da sua esfera jurídica.


Assim, e em jeito de conclusão, pode o intérprete dizer que o critério do 51/1º CPTA só pode valer quando ligado ao do 268/4º CRP ou 9º CPTA, não se percebendo por que razão não foi o segundo considerado pelo legislador no artigo 51º/1 CPTA.


José Manuel Alves - 140112046

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Caso da descida de divisão por parte do Clube F.C AXEDREZADOS - aula de 29/10/ 2015

Problema da legitimidade enquanto pressuposto processual

Começando pelos jogadores, não se levantam grandes dúvidas quanto à sua legitimidade, uma vez que pretendem impugnar um acto administrativo do qual são parte na relação material controvertida , como exige o artigo 9º do CPTA. Além disso, têm um interesse directo e pessoal por terem sido lesados os seus interesses legalmente protegidos conforme o artigo 55º/- a), isto é, o seu interesse em não descer de divisão e tudo o que isso acarreta de prejudicial à sua carreira profissional. O critério que interessa para aferir da legitimidade é, como o diz expressamente a nossa Constituição no seu artigo 268º/4, o da lesão de direitos e interesses legalmente protegidos e não o da eficácia ou produção de efeitos jurídicos como se extrairia do artigo 51º do CPTA. De acordo com este critério amplia-se a possibilidade de impugnar actos administrativos, visto que pode haver actos lesivos que não produzam efeitos externos e a consequente impossibilidade de impugnação destes actos lesivos poderia suscitar problemas de inconstitucionalidade, pois estar-se-ia a restringir o direito fundamental de acesso aos tribunais, contrariando ainda aquele que foi o critério estabelecido pelo próprio legislador constitucional no artigo 268/4º. Já quanto aos patrocinadores a questão não é líquida, enquadrando-se o problema no âmbito das relações jurídicas multilaterais características do Direito Administrativo, das quais resulta que pode haver vários sujeitos quer do lado activo quer do lado passivo e não sendo os patrocinadores os sujeitos imediatos, temos agora que, de uma maneira mais ampla, saber se eles podem ou não ser considerados como parte legítima.

É certo que há uma relação mais imediata entre os jogadores e o clube, do que o clube e os patrocinadores. E também é certo que apesar de os patrocinadores não terem um interesse imediato nesta acção, têm sem dúvida um interesse indirecto no resultado, pois com a descida de divisão há uma inegável perda de visibilidade dos patrocinadores face ao público alvo que, consequentemente, pode prejudicar de forma substancial a posição dos mesmos. Assim, e tendo em consideração o critério da lesão como pressuposto objectivo do direito de acção, apenas concebendo o pressuposto da legitimidade de forma latíssima conseguiríamos incluir os patrocinadores como parte legítima nesta acção. Quanto à hipótese de coligação , diz-nos o artigo 12º do CPTA que podem coligar-se vários autores contra um ou vários demandados por pedidos diferentes, caso: a causa de pedir seja a mesma e única, ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência ou prejudicialidade; sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou dos mesmos princípios ou regras de direito. Mesmo não sendo sujeito processual, pode ser constituído assistente, com uma posição subordinada ao sujeito processual - não introduzem os factos, mas no quadro dos factos apresentam argumentos de ordem fáctica ou substantiva que podem condicionar as opiniões em causa, procurando defender a posição da parte em relação à qual se constituem como assistente processual.

Carolina Gonçalves 140112042
Maria Joana Moreira 140112139

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Actualidade

Fonte - Jornal Observador 
"O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou o Estado português a pagar 11.830 euros ao arquiteto paisagista Rui Pedro Valada Matos das Neves, por danos morais resultantes da morosidade processual dos tribunais administrativos de Lisboa.
Em dezembro de 1990, o requerente estagiou no departamento de Higiene Urbana e Resíduos Sólidos da Câmara Municipal de Lisboa (CML), findo o qual a autarquia celebrou um contrato de prestação de serviços pelo prazo de um ano, renovável anualmente.
No final de 1998, foi-lhe pedido que desenvolvesse um projeto de desenvolvimento urbano num gabinete de apoio à CML, tendo, em final de julho de 2002, a autarquia extinguido o gabinete e dispensado dos serviços o arquiteto.
A 09 de julho de 2003, o requerente intentou uma ação contra a CML e o presidente da autarquia, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a pedir o reconhecimento do contrato de trabalho que o ligava ao município. Solicitava ainda o direito à categoria profissional de consultor de arquitetura paisagista, reclamando também o pagamento de salários e indemnizações pelos danos resultantes do não cumprimento do contrato de trabalho.
Em abril de 2004, na sequência da reforma do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, o processo foi transferido para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, tendo, em 2006, 2007 e 2008, pedido informações sobre as razões do atraso no andamento do processo.
A 25 de novembro de 2009, o tribunal citou as partes para apresentarem alegações complementares, pedido renovado em junho de 2011.
A 07 de fevereiro de 2012, o Ministério Público reconheceu a existência de um contrato de trabalho desde 27 de novembro de 1991, entre a CML e Valada Matos das Neves. Nesse mesmo ano, o arquiteto reclamou, junto do tribunal, pelo atraso na resolução do caso.
Em decisão de 05 de março de 2013, o Tribunal Administrativo de Lisboa reconheceu a existência de um contrato de trabalho entre o arquitecto e a CML, desde dezembro de 1990, e a categoria profissional invocada pelo requerente.
A 18 de março de 2013, a CML recorreu da decisão, o tribunal admitiu o recurso (com efeito suspensivo) e enviou o caso para o Tribunal Central Administrativo do Sul.
A 17 de maio de 2013, o arquiteto requereu a nulidade do recurso da CML, uma vez que esta não apresentou alegações de recurso no prazo legal. Dez dias depois, o Tribunal Central Administrativo do Sul deu razão ao arquiteto.
O requerente exigia 179.330,22 euros de indemnização, correspondente à soma dos salários que não recebeu, devido ao atraso dos tribunais administrativos de Lisboa, e pedia ainda 15 mil euros por prejuízo moral resultante da morosidade processual.
O TEDH não aceitou a petição do requerente por danos materiais, mas reconheceu a existência de alguns danos morais, estipulando que seja indemnizado pelo Estado português em 11.830 euros."

Mariana Terra da Motta 
140112004

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Em busca do pressuposto processual perdido – A impugnação administrativa necessária



A doutrina tem discutido se a definitividade vertical do acto administrativo constitui, ou não, um pressuposto processual para a impugnação contenciosa do acto. Questiona-se assim se o controlo jurisdicional estará dependente de uma prévia impugnação administrativa, nomeadamente do recurso hierárquico necessário.

Até à Revisão Constitucional de 1989, a Constituição previa o recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios. No entanto, a partir de 1989, deixou de ser feita referência à definitividade e executoriedade do acto administrativo, admitindo-se o recurso contencioso contra quaisquer actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos. Esta mudança de paradigma, nomeadamente a queda da exigência da definitividade do acto, levou uma parte da doutrina a insurgir-se contra a figura do recurso hierárquico necessário, dizendo que esta era agora inconstitucional.

Foi esta a posição defendida por uma minoria, da qual o Professor Vasco Pereira da Silva faz parte, contra uma importante parte da doutrina e jurisprudência. A inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário alicerça-se em quatro argumentos que brevemente se refere:

  •      Violação do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (268º nº4), uma vez que a exigência do recurso hierárquico como condição de exercício do recurso contencioso acaba por negar o direito fundamental de impugnação contenciosa;

  •        Violação do princípio constitucional da separação entre a Administração e a Justiça – exige-se que o uso de um meio judicial esteja dependente do uso de um meio administrativo;

  •        Violação do princípio constitucional da desconcentração administrativa (267º nº2) que impõe a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos.

  •         Violação do princípio da efectividade da tutela (268º nº4) – O recurso hierárquico vai consumir uma parte significativa (30 dias) do prazo para o recurso contencioso, o que equivale na prática a uma preclusão desse direito. Este argumento é hoje refutado pelo artigo 59º nº4 do CPTA que determina que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo”.


Se para alguns a nova reforma do Código de Processo Administrativo afasta, de forma evidente, a necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso à justiça administrativa, para outros tal não é tão inequívoco.

Os primeiros recorrem à letra da lei para sustentar a sua posição. Ao não haver no Código de Processo Administrativo qualquer referência, mesmo que implícita, à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, devemos concluir que a lei não exige tal pressuposto. Mais, no artigo 59º nº5 o legislador determina que o particular que tenha recorrido a uma garantia administrativa e beneficiado da suspensão do prazo da impugnação contenciosa, ainda tem a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto na pendência da impugnação administrativa. Assim, o particular não só pode escolher entre a via administrativa ou a via contenciosa como, no caso de escolher a primeira, pode imediatamente suscitar a apreciação jurisdicional do litígio.

Outros, como é o caso do professor Mário Aroso de Almeida, optam por uma interpretação mais restrita segundo a qual, e cito, “se estaria aqui apenas perante uma revogação da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário, constante no código de Procedimento Administrativo, mas que ela não implicaria a revogação de eventuais regras especiais que consagrassem tal exigência, quando existissem, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigências em lei especial”.

Entre os vários argumentos que contrariam esta tese, destacam-se os seguintes:

  •    É dito que o Código de Procedimento Administrativo revogou a regra geral do recurso hierárquico necessário mas não as regras especiais. A especialidade de uma norma prende-se com a criação de um regime diferente do regime-regra. Pois bem as normas apelidadas de especiais não possuem especialidade alguma já que apenas confirmam a regra geral. Assim, a revogação da regra geral tem implícita a revogação de todas as normas que contêm o mesmo regime jurídico. 

  •        Se o código estabelece que o recurso hierárquico necessário não é um pressuposto processual, então as normas avulsas que exigem tal recurso devem caducar por falta do objecto, pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam.


Muito poderia ainda ser dito sobre este tema, mais argumentos se ergueriam e logo outros os derrubariam porém a segurança jurídica exige uma solução que poderia passar pela revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário.

Mariana Terra da Motta
140112004

Nova e novíssima arbitragem administrativa: algumas notas

Antes de mais cumpre dizer que a Arbitragem Administrativa, já de si um tema interessante, mantém-se na ordem do dia uma vez que os dois diplomas que a regulam foram, desde 2011, alterados: refiro-me à Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), publicada em anexo à Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro e ao novo (ou novíssimo) CPTA, na redacção do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro
A arbitragem pode ser definida como a submissão de um litígio à decisão de árbitros e é apresentado como um mecanismo alternativo de resolução ou composição de litígios. É elogiado pela sua melhor adequação à apreciação dos litígios de especial complexidade (os árbitros – nome dos decisores dos tribunais arbitrais – podem ser especialistas nas matérias controvertidas): esta ideia é tanto mais verdadeira quando ainda constatamos que os juízes (de jurisdição administrativa) portugueses ainda são pouco especializados e pouco aptos a resolver problemas jurídicos complexos; pela flexibilidadede que as partes podem usufruir na escolha de árbitros, de regras processuais, do direito aplicável e pela celeridade dos casos que lhe são submetidos, porque não entram na lista de espera e porque a respectiva resolução pressupõe formas mais simplificadas de tramitação processual – este aspecto é particularmente caro à justiça comum portuguesa, que apresenta como traço essencial o atraso na resolução de litígios que lhe são apresentados. É criticado porque há certos traços, sobretudo no que diz respeito à arbitragem necessária e obrigatória que levantam algumas dúvidas sobre a eventual violação do direito (fundamental) de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20º e densificado no artigo 268º, números 4 e 5 da CRP para o caso especial da justiça administrativa, mormente na dimensão. Cumpre também apontar que a arbitragem é muitas vezes vista como a "Justiça dos ricos" porque paga a peso de ouro... Ao fazer o balanço das vantagens e desvantagens da arbitragem administrativa ISABEL FONSECA no seu artigo A arbitragem administrativa: uma realidade com futuro? (publicado no conjunto de estudos sobre A Arbitragem Administrativa e Tributária: Problemas e desafios) arbitragem sim, desde que não colida com o direito de acesso aos tribunais.
A antiga redacção do artigo 1º da LAV impunha como “pressuposto arbitral” dos direitos em jogo a sua disponibilidade, no seu n.º 1 e o seu n.º 4 dispunha sobre a possibilidade do Estado e de outras pessoas colectivas de direito público poderem celebrar convenções de arbitragem - previa ou que fossem autorizadas por lei especial ou  que os litígios em causa fossem respeitantes a relações de direito privado. A nova redacção inova o pressuposto e exige que diga o litígio diga respeito a um interesse de natureza patrimonial, tendo o antigo n.º 4 passado a n.º 5. Uma das críticas feitas à anterior redacção dizia respeito a saber que direitos estavam na disponibilidade do Estado e das demais pessoas pessoas colectivas uma vez que as posições jurídicas destas eram na maior parte das vezes estabelecidas na prossecução do interesse público (art. 4º CPA) e regido pelo príncipio da legalidade (art. 3º CPA), sendo portanto indisponíveis. Esta nova redacção alterou o campo da arbitragem voluntária para questões de patrimonialidade (susceptibilidade de avaliação pecuniária) excepto quando o litígio esteja já submetido exclusivamente à arbitragem necessária.
Por outro lado o CPTA também foi alterado e a matéria, regulada nos artigos 180º e seguintes foi objecto de revisão. Sobre as matérias admitidas a arbitralidade, atente-se a alínea d) ao artigo 180º - que manteve o critério da disponibilidade dos direitos quando este já tinha sido alterado na última redacção da LAV... Por outro lado, vale a pena reparar que agora os tribunais arbitrais administrativos podem também invalidar actos administrativos, algo que antes também lhes estava vedado (alínea c)), sendo limitado este novo poder dos árbitros pelo novo número 2 do artigo 185º.
Por fim o art. 187º regula os chamados Centros de arbitragem, funcionando já o CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) desde 2009 - https://www.caad.pt/ .

Henrique Moutinho, 140110082

terça-feira, 27 de outubro de 2015

A odisseia do Prédio Coutinho – uma “coroa de glória” da tutela cautelar no Processo Administrativo Português



Aconteceu quando a proteção cautelar no Processo Administrativo era ainda jovem em Portugal. Tinha 6 anos. Chegou apenas em 2000 ao nosso Contencioso Administrativo, mas a tempo de garantir a proteção dos direitos dos moradores do afamado Prédio Coutinho, em Viana do Castelo. Não tivessem os particulares moradores, principais interessados, recorrido à figura da providência cautelar, já há muito que a Administração Pública teria executado a decisão administrativa de declarar o imóvel de utilidade pública, expropriando-o totalmente e demolindo o edifício. Isto, independentemente da decisão final dos tribunais, Administrativos e Constitucional, em relação à ação principal, ou seja, ao pedido de nulidade da declaração de Utilidade Pública para a expropriação das frações.

É uma longa história, sobre um longo edifício e uma longa caminhada do Contencioso Administrativo que esbarrou a tempo com o fenómeno da europeização.

Mas vamos por partes:

O Prédio Coutinho tem sido repetidamente notícia desde 2005 na comunicação social. É um edifício de 13 andares, com 105 frações e onde viviam cerca de 300 pessoas. Construído nos anos 70, bem no coração da cidade de Viana do Castelo. Se fosse em Lisboa, ou mesmo no Porto, provavelmente seria mais um, longo em altura, e ninguém quase daria por ele. Mas foi construído numa cidade relativamente pequena, num local onde urbanisticamente aquele prédio se destaca, mesmo junto à margem do rio Lima. Há mesmo quem lhe chame um “aborto arquitetónico” e quem levante sérias dúvidas acerca da legalidade do processo de licença de construção concluído pela Câmara Municipal. 

O problema é que nos anos 70 o urbanismo era mais uma variante dos interesses difusos que pouco ou nada relevava, ao contrário do que acontece hoje em dia em que esses interesses são extremamente importantes.

No início deste novo século, a “bomba” que poderá ainda vir a deitar por terra o Prédio Coutinho começou a ser fabricada: a decisão administrativa de Declaração de Utilidade Pública para a expropriação e demolição. A 16 de Agosto de 2005 foi publicada em Diário da República a dita declaração.

É verdade que as tentativas do município em fazer desaparecer o prédio já foram algumas desde 1975, mas também é verdade que nunca foram avante por razões económicas, já que a implosão fica cara ao erário público e já que, até 2005, as razões da estética, do urbanismo, pesaram sempre menos do que as razões económicas. Ainda hoje é uma questão polémica tendo em conta o interesse público em causa que deve ser de facto atendido: se o interesse de todos por razões estéticas, se o interesse daqueles particulares que têm direito a querer ficar com a sua morada de família que adquiriram de boa fé (alguns são moradores desde que o prédio existe), ou até mesmo o interesse público de não se gastar tanto dinheiro (alguns milhões de euros) na implosão de um edifício, há tantos anos de pé, e aplicar essas verbas noutro tipo de obras mais relevantes para a população da cidade.

A Sociedade Viana Pólis, empresa pública cujas quotas são divididas pelo Ministério do Ambiente e pela Câmara Municipal de Viana do Castelo tem funções específicas neste processo do Prédio Coutinho: tratar da expropriação, das indemnizações aos particulares que ficariam sem casa e negociar com eles uma solução de realojamento noutra zona da cidade, em habitações municipais que entretanto foram construídas de raiz para esse efeito.

Alguns desses moradores aceitaram a bem a expropriação da respetiva fração e a devida indemnização e realojamento. Outros não e esses outros reagiram juridicamente, num litigio de natureza administrativa contra a Administração Pública. Superaram-se alguns dos «traumas da infância difícil do Direito Administrativo», como Vasco Pereira da Silva costuma dizer, e os particulares e a Administração Pública vão a juízo como partes iguais, sujeitos de uma relação jurídica administrativa, em que está em causa sobretudo o exercício da função administrativa, não havendo nesta relação de conflito jurídico qualquer privilégio da Administração. Felizmente.

Nesta parte da história entra o que Fausto Quadros chama como «instrumento mais importante da europeização» do Direito Administrativo: as providências cautelares.

Se ainda hoje o Prédio Coutinho, melhor ou pior, está de pé, isso deve-se exclusivamente à reação dos particulares afetados pela decisão de um órgão da Administração Pública, neste caso Administração Autónoma, em expropriar e demolir o edifício. Puderam reagir a tempo, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que lhes deu provimento às providências cautelares interpostas.

O objetivo era evitar que a AP executasse a decisão administrativa e, depois, mesmo que a sentença final da ação principal, mesmo em última instância, lhes fosse favorável, já de nada adiantaria. Seria tarde, porque o bem e os direitos dos particulares já tinham sido irreversivelmente afetados. Citando J. Morand-Deviller, uma situação inadmissível do ponto de vista da equidade, em que o facto consumado levava a melhor sobre a autoridade do caso julgado.

Mas a mudança de paradigma do contencioso Administrativo português, como refere Vasco Pereira da Silva, está agora voltada para a proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares. Foi criado na reforma do Contencioso Administrativo de 2000 um regime para as situações de urgência, confiado este aos tribunais de primeira instância. A ideia foi fruto da europeização, fenómeno que afetou e afeta até hoje o nosso Direito Administrativo, para que se oferecessem aos administrados garantias equivalentes às do processo civil. E este regime para a urgência envolve três processos cautelares: de suspensão, que conduz à suspensão da eficácia mas num regime mais aberto do que anteriormente, tornando-se a regra, como diz Fromont, sempre que o requerente merece proteção; o processo de injunção, que é afinal um meio completamente original que vem atribuir mais poderes ao juiz, a um único juiz, para dar ordenas à AP numa situação rápida; e o processo de conservação, que no domínio do plano pré-contratual «atribui amplos poderes de intervenção ao tribunal», de acordo com Vasco Pereira da Silva.

Neste caso do Prédio Coutinho, preencheram-se os pressupostos da urgência e da dúvida séria quanto à legalidade da decisão administrativa de expropriar e demolir propriedade privada. Os particulares requereram ao tribunal de 1ª instancia a suspensão da eficácia e o Juiz garantiu-lhes esse direito.

Hoje o Prédio Coutinho ainda está de pé. Já lá vão mais de 10 anos de litígio nos tribunais. Bateu todas as instâncias e em 2014 o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se de forma favorável à Administração, dando luz verde à decisão administrativa  de Declaração de utilidade pública do imóvel e consequente execução. Ou seja, não considerou que no processo houvesse causa de anulação da decisão e que estavam por isso justificadas a expropriação e a demolição. Não deu razão ao pedido dos particulares, fazendo antever assim o fim trágico do arranha-céus de Viana do Castelo. 

O que, de resto, ainda só não aconteceu desde 2005, primeiro: devido às providências cautelares interpostas, e ao seu efeito eficaz de suspensão da decisão da AP; segundo: porque apesar de haver já decisão da última instância, do Supremo Tribunal Administrativo, os particulares recorreram entretanto para o Tribunal Constitucional, ação que foi admitida e com efeito suspensivo.

Ou seja, até ao dia de hoje e passados quase 11 anos, o Prédio Coutinho mantém-se. Alto, em altura e em valor atribuído à ação cautelar. Como uma autêntica “coroa de glória” da tutela cautelar do Direito Administrativo Português. 

Maria Helena Silva da Fonseca
Aluna nº 140112507

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

UM OLHAR PASSADO PRESENTE E FUTURO SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA - Art.10º. CPTA



Á luz da lógica do Código de Processo Civil o legislador português quis também chamar ao processo dos tribunais administrativos as pessoas coletivas públicas.
Mas o Direito Administrativo tem as suas especificidades e faz com que a escolha não tenha sido a mais acertada.

Já há muito que se ultrapassou a visão  de Thomas Hobbes que via a administração como o “Leviathan”- o monstro,- organizada de forma piramidal que tinha no topo da hierarquia o governo.
Há cada vez mais, uma lógica de descentralização e desconcentração, uma tendência para o aparecimento de inúmeros centros autónomos de decisão – (art.267/2 º CRP).
E cada um desses centros autónomos de poder pode decidir a situação do particular em causa, porque se entende que está mais próximo da situação do particular e consegue de forma mais célere e adequada acautelar os direitos e interesses constitucional/legalmente consagrados.

O Estado tem uma multiplicidade de ministérios cada um com funções diferenciadas (ART.183º. CRP), e o facto de o art.10º/2 1ª parte, dizer que a pessoa coletiva pública pode ser demandada faz com que no limite se caia no ridículo de criar situações como pôr o governo a defender um ato do ministro da economia ou da agricultura, o que não faz qualquer sentido, porque cada um prossegue atribuições diferentes e o autor do ato sabe melhor que ninguém justificá-lo e fundamentá-lo.
 No que respeita ao Governo cada um dos Ministros deve ser o último responsável por aquela decisão. Estamos perante entidades com capacidade decisória e perante órgãos que manifestam uma vontade imputável á administração.
E a ideia de que a pessoa coletiva é que esta a ser chamada não cabe nos quadros do atual direito administrativo.
Ainda neste campo é importante relembrar que as exigências do Princípio da Legalidade têm a ver com a atuação, a atuação dos órgão é regulada por lei, não faz sentido neste campo o principio da impermeabilidade da pessoa coletiva que é utilizado no direito privado. Não há impermeabilidade, tudo o que se passa no interior da pessoa coletiva é e deve ser controlado pelos Tribunais competentes. Nem o Principio da legalidade nem o da Separação de Poderes  parecem exigir que sejam demandadas as pessoas coletivas.



Assim há do ponto de vista teórico duas perspetivas:

1ª. Que tem as suas origens no Direito Italiano, em Cassese e nos seus seguidores, que dizem em termos muito sucintos que essa ideia da relação entre pessoa coletiva e órgão vale para o direito privado, mas não para o direito administrativo. Esses serviços são feixes de competências e atribuições , não há que falar de pessoas coletivas nem de órgãos, mas sim de atribuições, e no âmbito do exercício dessas atribuições podem ser responsabilizados e estar em juízo.

Esta teoria é de facto a mais estimulante do ponto de vista teórico mas surge o problema levantado pelo Sr. Prof. Vasvo Pereira da Silva.. como vamos então designar estas entidades? De service (serviços) como no Direito Italiano?

2ª. Que tem as suas origens na perspetiva alemã: numa perceptiva muito sumária esta teoria gira á volta da distinção dos conceitos de personalidade e capacidade. A capacidade de gozo e exercício é dos órgãos e não das pessoas coletivas. Só a personalidade é das pessoas coletivas. O uso da pessoa coletiva no direito público não é igual ao do direito privado, estamos perante uma simples ficção no direito público, uma vez que quem atua são as pessoas dotadas de capacidade, a personalidade de nada adianta.
Já Wolff - pai do direito administrativo alemão dos anos 30 e 40,- dizia com ironia que o conceito de pessoa coletiva no direito administrativo era um conceito artístico, que ficava bem, bonito, mas em rigor não tinha relevância nenhuma, uma vez que ter personalidade era apenas uma forma de fingir que as decisões eram imputadas á pessoa coletiva mas quem tinha responsabilidade era, os órgãos – tratava-se de uma verdadeira e própria ficção.


Esta ultima teoria é a melhor forma de interpretar nos termos do art.10 º CPTA, o que o legislador fez em Portugal.
O legislador diz que os sujeitos são as pessoas coletivas mas estabelece no entanto um conjunto de exceções tão grande que põe em causa a regra geral. Isto acontece porque o próprio legislador percebe que não é possível adoptar essa concepção , que esta não é adequada, é preciso chamar a juízo, numa lógica subjetivista, os autores dos atos e não um órgão com uma relação ténue com o órgão que decidiu. Deve-se chamar o efetivo autor do ato- o órgão.

Este problema já existia na versão de 2004, no entanto “novíssima” versão de 2015 ainda se acrescentaram mais exceções. Em última analise é aos olhos do código indiferente contra quem se reage, quer seja contra a pessoa coletiva quer seja contra o órgão. Ora isto só nos alerta para as similitudes com a teoria alemã, da ficção. Assim para esta teoria a ideia de personalidade coletiva é uma mera ficção e o que mais importa, no fim das contas, é a capacidade- do sujeito que atua, do órgão no quadro da pessoa coletiva.

Além disso, esta opção do legislador não deixa de ser caricata visto que se vai ao arrepio daquilo que é tendência no Direito Português. Fala-se sempre em órgãos, os art. 260ºss CRP, e o código de procedimento administrativo dos anos 90, (presidido por o Sr. Prof Freitas do Amaral) usava os órgãos como sujeitos das relações jurídicas, e o código atual “de Fausto Quadros” também surge com essa ideia, os artigos iniciais não se afastam dos do “Código de Freitas do Amaral” e há em ambos um traço característico: a valorização dos órgãos em detrimento das pessoas coletivas.


         EM SUMA:
É paradoxal que o legislador tenha feito esta opção, porque efetivamente mais importante que a pessoa coletiva é no quadro da lógica da legitimidade em termos subjetivos o chamamento á demanda dos sujeitos da relação material: de quem praticou o ato.
No entanto é de lamentar que o legislador não o afirme como, no entanto, faz no Art.78/3º CPTA de onde se retira  que é indiferente demandar o órgão ou a pessoa coletiva e é isto que faz verdadeiro sentido num processo de natureza subjetiva.


Pelo exposto resta-me acompanhar a posição do Sr. Prof. Vasco Pereira Da Silva, no tocante ás criticas á legitimidade passiva pelas entidades públicas, e esperar que no futuro o legislador leve estas criticas em conta e simplifique o regime, clarificando a regra geral de forma a que se diminuam também as exceções. Esta critica  encontra-se também corroborada pelo exposto no art.10º. nº4, que admite a sanação da citação irregular, e tem-se a petição como conforme ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos ainda que feita ao órgão e não à pessoa coletiva.


Verónica Nobre (140112030)