quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Parecer do Ministério Público

Exmo. Senhor

Dr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo da Capital

Processo nº 100/2015

Uma vez intentada uma acção de impugnação de normas, com cumulação de pedidos e em regime de coligação, contra o Município da Capital, vimos por este meio, enquanto Magistrados do Ministério Público, apresentar a Vossas Excelências o presente parecer sobre o processo em apreço, de acordo o disposto nos artigos 219º nº1 da Constituição da Republica Portuguesa, 85º nº2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e por fim, artigo 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Cabe-nos analisar um despacho que visa regular a circulação dos triciclos ou ciclomotores afectos à actividade de animação turística, vedando a sua circulação em zonas de intenso tráfego de turistas, nomeadamente o Alto Bairro, Alfombra e o Castelinho. Esta norma define os seus destinatários por meio de categorias,  abrangendo um número indeterminado de veículos, e é dotada de abstracção, definindo a sua aplicação a uma pluralidade de situações.  Assim sendo,  este comando jurídico unilateral reveste  a forma de regulamento administrativo.

Atendendo à Competência da Câmara Municipal para a aprovação do regulamento, tem-se que nos termos do artigo 23º nº 2 al. c) al. k) da Lei das Autarquias Locais (LAL), constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações nos domínios dos Transportes e Comunicações e Ambiente e Saneamento Básico, respectivamente.
A mesma lei, no artigo 33º nº1 al. k), dispõe que compete à Câmara Municipal a elaboração dos projectos de regulamentos externos do município e, no artigo 25º nº1 al. g), que a aprovação dos mesmos é da competência da Assembleia Municipal.

Apesar de, tal como alegado pela Ré, se ter verificado uma delegação de competências nos termos do artigo 34º nº1 da LAL, esta delegação diz respeito à delegação de competências da Câmara Municipal no respectivo Presidente, contudo, essa delegação não interfere com a competência da Assembleia Municipal para a aprovação do respectivo regulamento, que se mantêm.
Assim sendo, e  tendo em conta que este despacho foi aprovado pelo Presidente da Câmara, estamos perante uma situação de incompetência relativa, pelo que o despacho é anulável nos termos do artigo 163º/1 CPA.

Relativamente à preterição da audiência dos interessados, o artigo 267º nº5 da Constituição estabelece que a lei deve assegurar “a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito.” Essa disposição constitucional é depois concretizada pelo CPA,  configurando-se a audiência prévia  da administração como núcleo essencial deste direito genérico de participação dos particulares directamente interessados na decisão.
Nos termos do artigo 121º do CPA, os interessados têm o direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final e, tendo em conta que este Despacho lhes diz directamente respeito por ser susceptível de lesar direitos subjectivos ao restringir o direito à livre iniciativa económica, então tem-se que a preterição da audiência prévia dos interessados pode conduzir à invalidade do regulamento, sendo que de acordo com a orientação defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, o Despacho seria nulo.

Contudo, a Administração Pública está também sujeita ao princípio da desburocratização e eficiência (artigo 10º CPA), segundo o qual se deve ter como objectivo a utilização racional dos meios e a simplificação do seu relacionamento com o particular. Este principio tem como reflexo a possibilidade de dispensa de audiência prévia dos interessados sempre que o número de interessados seja de tal forma elevado que a torne incompatível, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, conforme estabelece o artigo 100º nº3 al.c) do CPA.
Para além disso, a realização de consulta pública foi publicitada  através de Edital publicado no site institucional da Ré e num jornal nacional, tal como se prevê que o deva ser no nº1 do artigo 101º do CPA. 
Assim sendo, consideramos que não estamos perante a existência de um vício de forma por preterição de uma formalidade essencial do procedimento e que o direito fundamental de participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem  se encontra assegurado pela realização de consulta pública. 

Tomando em consideração o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo, temos que o mesmo, aplicado na sua modalidade de diferenciação, exige que situações diferentes tenham tratamento desigual. Estaria em causa um tratamento desigual supondo que existem diferenças entre os Tuk Tuk Ecológicos e os Tuk Tuk ditos normais, nomeadamente no que diz respeito à emissão de gases poluentes e ao ruído por eles causado.  Contudo, recorrendo à ratio do despacho, consideramos que o mesmo foi elaborado com intuito de diminuir o ruído e a emissão de gases poluentes mas também o de devolver aos residentes das zonas em causa os seus hábitos e costumes. O despacho visa limitar o excesso de veículos, o estacionamento abusivo e o aumento exponencial da circulação de triciclos e ciclomotores em certas zonas da cidade, assegurando a segurança dos residentes e a sua qualidade de vida. Assim sendo, considerando que a circulação de veículos desta categoria acarreta consequências nefastas que  tanto se devem à circulação de veículos ecológicos como de veículos ditos normais, concluímos não haver fundamento para alegar violação do princípio da igualdade.

Atendendo ao princípio da proporcionalidade, o mesmo requer que tenhamos presente os três testes ao princípio da proporcionalidade.
O primeiro teste diz respeito a aferição da eficácia da norma, sendo necessário conhecer se os meios escolhidos são adequados para atingir os fins pretendidos. Entendemos que proibir a circulação dos Tuk Tuk nas três zonas indicadas se justifica pela finalidade de promoção do bem estar e qualidade de vida da população.
O segundo teste a que temos de atender é o da necessidade, averiguar se haverá alternativas menos onerosas mas igualmente eficazes. Entendemos que a medida adoptada é a menos onerosa pois apenas incide em três zonas da cidade, não prejudicando a circulação dos veículos nas demais. Mais, a medida torna-se eficaz pois apenas se impede a circulação dos Tuk Tuk nas zonas em que se demonstra que essa mesma circulação é particularmente lesiva para os particulares.
Finalmente, de acordo com teste da razoabilidade/proporcionalidade em sentido estrito, é necessário aferir se o sacrifício é ou não excessivo tendo em vista os fins que se pretendem atingir.

Esta restrição não ofende nenhum dos testes que o respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe realizar. A medida que é alvo de discussão é adequada e necessária aos fins concretos que tal actuação tem em vista. Consideramos também que é a que lesa em menor medida os direitos e interesses dos particulares e que o sacrifício imposto às Autoras não é,  pelas razões acima expostas, revelador de violação do princípio da proporcionalidade

O artigo 9º do CPA estabelece que a Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, ponderando os vários interesses em conflito de forma objectiva e adoptando soluções procedimentais indispensáveis à preservação da sua isenção. Ora, relativamente a este ponto, consideramos que com a realização de uma consulta pública amplamente publicitada se assegurou de forma plena o direito à participação dos particulares interessados sendo que se verificou que algumas empresas do mesmo ramo de actividade, igualmente afectadas pelo despacho, se pronunciaram no âmbito dessa mesma consulta e que, pelo contrário, as autoras optaram por não o fazer. 
Mais, não consideramos que os interesses em casa não tenham sido analisados de forma objecta aquando a realização do regulamento. 
Das peças processuais, dos documentos de prova apresentados e da audiência de julgamento, verifica-se que de facto a circulação de Tuk Tuk  implica um aumento nos níveis de ruído e de poluição existentes. Para além disso, os depoimentos  de testemunhas demonstram que a circulação destes veículos perturba o dia-a-dia da população que habita nos locais onde estes circulam.  Temos também presente que mesmo sendo parte destes veículos ecológicos os mesmos não apresentam níveis de poluição zero, tal como se pode atestar pelo parecer elaborado pelo Departamento de Alterações Climáticas da Agência Portuguesa do Ambiente.

Relativamente ao impacto que este regulamento pode ter no turismo, entendemos que o mesmo não será grandemente afectado pela proibição de circulação dos Tuk Tuk em determinadas zonas da cidade. Não só Lisboa é uma das capitais europeias mais procuradas por estrangeiros como regista elevados níveis de turismo que de ano para ano se superam. Entendemos que a proibição da circulação dos veículos em apreço não implica necessariamente uma diminuição dos níveis de turismo nem que os mesmos turistas deixem de aderir a esses serviços quando visitem outras zonas da Capital. É sabido que a utilização de Tuk Tuk se revela hoje em dia um serviço muito procurado pelos turistas, não só pela sua alternatividade como pelo facto de estes permitirem uma maior proximidade com os monumentos e atracções da cidade. 

Atendendo ao exposto e ponderando os vários interesses em causa, cabe ao Ministério Público prosseguir o interesse público e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, considerando que deve prevalecer a defesa da qualidade de vida dos habitantes da Capital, afectada pelo aumento do níveis de poluição, ruído e tráfego automóvel e pela forçosa mudança dos seus hábitos quotidianos.  


Capital, 10 de Dezembro de 2015
Os Magistrados do Ministério Público,
Maria Ana Santos 1401122022
Maria Ana Sousa 140112086
Rita Carvalho 140112001


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