Exmo. Senhor
Dr. Juiz de
Direito do Tribunal Administrativo de Círculo da Capital
Processo nº
100/2015
Uma vez
intentada uma acção de impugnação de normas, com cumulação de pedidos e em
regime de coligação, contra o Município da Capital, vimos por este meio,
enquanto Magistrados do Ministério Público, apresentar a Vossas Excelências o
presente parecer sobre o processo em apreço, de acordo o disposto nos artigos
219º nº1 da Constituição da Republica Portuguesa, 85º nº2 do Código de Processo
dos Tribunais Administrativos e por fim, artigo 51º do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais.
Cabe-nos
analisar um despacho que visa regular a circulação dos triciclos ou
ciclomotores afectos à actividade de animação turística, vedando a sua
circulação em zonas de intenso tráfego de turistas, nomeadamente o Alto Bairro,
Alfombra e o Castelinho. Esta norma define os seus destinatários por meio de
categorias, abrangendo um número
indeterminado de veículos, e é dotada de abstracção, definindo a sua aplicação
a uma pluralidade de situações.
Assim sendo, este comando
jurídico unilateral reveste a
forma de regulamento administrativo.
Atendendo à
Competência da Câmara Municipal para a aprovação do regulamento, tem-se que nos
termos do artigo 23º nº 2 al. c) al. k) da Lei das Autarquias Locais (LAL),
constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses
próprios das respectivas populações nos domínios dos Transportes e Comunicações
e Ambiente e Saneamento Básico, respectivamente.
A mesma lei, no
artigo 33º nº1 al. k), dispõe que compete à Câmara Municipal a elaboração dos
projectos de regulamentos externos do município e, no artigo 25º nº1 al. g),
que a aprovação dos mesmos é da competência da Assembleia Municipal.
Apesar de, tal
como alegado pela Ré, se ter verificado uma delegação de competências nos
termos do artigo 34º nº1 da LAL, esta delegação diz respeito à delegação de
competências da Câmara Municipal no respectivo Presidente, contudo, essa
delegação não interfere com a competência da Assembleia Municipal para a
aprovação do respectivo regulamento, que se mantêm.
Assim sendo,
e tendo em conta que este despacho
foi aprovado pelo Presidente da Câmara, estamos perante uma situação de
incompetência relativa, pelo que o despacho é anulável nos termos do artigo
163º/1 CPA.
Relativamente à
preterição da audiência dos interessados, o artigo 267º nº5 da Constituição
estabelece que a lei deve assegurar “a participação dos cidadãos na formação
das decisões ou deliberações que lhes digam respeito.” Essa disposição
constitucional é depois concretizada pelo CPA, configurando-se a audiência prévia da administração como núcleo essencial deste direito
genérico de participação dos particulares directamente interessados na decisão.
Nos termos do
artigo 121º do CPA, os interessados têm o direito a ser ouvidos no procedimento
antes de ser tomada a decisão final e, tendo em conta que este Despacho lhes
diz directamente respeito por ser susceptível de lesar direitos subjectivos ao
restringir o direito à livre iniciativa económica, então tem-se que a
preterição da audiência prévia dos interessados pode conduzir à invalidade do
regulamento, sendo que de acordo com a orientação defendida pelo Professor
Vasco Pereira da Silva, o Despacho seria nulo.
Contudo, a
Administração Pública está também sujeita ao princípio da desburocratização e
eficiência (artigo 10º CPA), segundo o qual se deve ter como objectivo a
utilização racional dos meios e a simplificação do seu relacionamento com o
particular. Este principio tem como reflexo a possibilidade de dispensa de
audiência prévia dos interessados sempre que o número de interessados seja de
tal forma elevado que a torne incompatível, devendo nesse caso proceder-se a
consulta pública, conforme estabelece o artigo 100º nº3 al.c) do CPA.
Para além disso,
a realização de consulta pública foi publicitada através de Edital publicado no site institucional da Ré e
num jornal nacional, tal como se prevê que o deva ser no nº1 do artigo 101º do
CPA.
Assim sendo,
consideramos que não estamos perante a existência de um vício de forma por
preterição de uma formalidade essencial do procedimento e que o direito
fundamental de participação dos particulares na formação das decisões que lhes
respeitem se encontra assegurado
pela realização de consulta pública.
Tomando em
consideração o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição
da República Portuguesa e no artigo 6º do Código de Procedimento
Administrativo, temos que o mesmo, aplicado na sua modalidade de diferenciação,
exige que situações diferentes tenham tratamento desigual. Estaria em causa um
tratamento desigual supondo que existem diferenças entre os Tuk Tuk Ecológicos
e os Tuk Tuk ditos normais, nomeadamente no que diz respeito à emissão de gases
poluentes e ao ruído por eles causado.
Contudo, recorrendo à ratio do despacho, consideramos que o mesmo foi
elaborado com intuito de diminuir o ruído e a emissão de gases poluentes mas
também o de devolver aos residentes das zonas em causa os seus hábitos e
costumes. O despacho visa limitar o excesso de veículos, o estacionamento
abusivo e o aumento exponencial da circulação de triciclos e ciclomotores em
certas zonas da cidade, assegurando a segurança dos residentes e a sua
qualidade de vida. Assim sendo, considerando que a circulação de veículos desta
categoria acarreta consequências nefastas que tanto se devem à circulação de veículos ecológicos como de
veículos ditos normais, concluímos não haver fundamento para alegar violação do
princípio da igualdade.
Atendendo ao
princípio da proporcionalidade, o mesmo requer que tenhamos presente os três
testes ao princípio da proporcionalidade.
O primeiro teste
diz respeito a aferição da eficácia da norma, sendo necessário conhecer se os
meios escolhidos são adequados para atingir os fins pretendidos. Entendemos que
proibir a circulação dos Tuk Tuk nas três zonas indicadas se justifica pela
finalidade de promoção do bem estar e qualidade de vida da população.
O segundo teste
a que temos de atender é o da necessidade, averiguar se haverá alternativas
menos onerosas mas igualmente eficazes. Entendemos que a medida adoptada é a
menos onerosa pois apenas incide em três zonas da cidade, não prejudicando a
circulação dos veículos nas demais. Mais, a medida torna-se eficaz pois apenas
se impede a circulação dos Tuk Tuk nas zonas em que se demonstra que essa mesma
circulação é particularmente lesiva para os particulares.
Finalmente, de
acordo com teste da razoabilidade/proporcionalidade em sentido estrito, é necessário
aferir se o sacrifício é ou não excessivo tendo em vista os fins que se
pretendem atingir.
Esta restrição
não ofende nenhum dos testes que o respeito pelo princípio da proporcionalidade
impõe realizar. A medida que é alvo de discussão é adequada e necessária aos
fins concretos que tal actuação tem em vista. Consideramos também que é a que
lesa em menor medida os direitos e interesses dos particulares e que o
sacrifício imposto às Autoras não é,
pelas razões acima expostas, revelador de violação do princípio da
proporcionalidade
O artigo 9º do
CPA estabelece que a Administração Pública deve tratar de forma imparcial
aqueles que com ela entrem em relação, ponderando os vários interesses em
conflito de forma objectiva e adoptando soluções procedimentais indispensáveis
à preservação da sua isenção. Ora, relativamente a este ponto, consideramos que
com a realização de uma consulta pública amplamente publicitada se assegurou de
forma plena o direito à participação dos particulares interessados sendo que se
verificou que algumas empresas do mesmo ramo de actividade, igualmente
afectadas pelo despacho, se pronunciaram no âmbito dessa mesma consulta e que,
pelo contrário, as autoras optaram por não o fazer.
Mais, não
consideramos que os interesses em casa não tenham sido analisados de forma
objecta aquando a realização do regulamento.
Das peças
processuais, dos documentos de prova apresentados e da audiência de julgamento,
verifica-se que de facto a circulação de Tuk Tuk implica um aumento nos níveis de ruído e de poluição
existentes. Para além disso, os depoimentos de testemunhas demonstram que a circulação destes veículos
perturba o dia-a-dia da população que habita nos locais onde estes circulam. Temos também presente que mesmo sendo
parte destes veículos ecológicos os mesmos não apresentam níveis de poluição
zero, tal como se pode atestar pelo parecer elaborado pelo Departamento de
Alterações Climáticas da Agência Portuguesa do Ambiente.
Relativamente ao
impacto que este regulamento pode ter no turismo, entendemos que o mesmo não
será grandemente afectado pela proibição de circulação dos Tuk Tuk em
determinadas zonas da cidade. Não só Lisboa é uma das capitais europeias mais
procuradas por estrangeiros como regista elevados níveis de turismo que de ano
para ano se superam. Entendemos que a proibição da circulação dos veículos em
apreço não implica necessariamente uma diminuição dos níveis de turismo nem que
os mesmos turistas deixem de aderir a esses serviços quando visitem outras
zonas da Capital. É sabido que a utilização de Tuk Tuk se revela hoje em dia um
serviço muito procurado pelos turistas, não só pela sua alternatividade como
pelo facto de estes permitirem uma maior proximidade com os monumentos e
atracções da cidade.
Atendendo ao
exposto e ponderando os vários interesses em causa, cabe ao Ministério Público
prosseguir o interesse público e a defesa dos direitos fundamentais dos
cidadãos, considerando que deve prevalecer a defesa da qualidade de vida dos
habitantes da Capital, afectada pelo aumento do níveis de poluição, ruído e
tráfego automóvel e pela forçosa mudança dos seus hábitos quotidianos.
Capital,
10 de Dezembro de 2015
Os
Magistrados do Ministério Público,
Maria Ana
Santos 1401122022
Maria Ana
Sousa 140112086
Rita
Carvalho 140112001
Sem comentários:
Enviar um comentário