A ação de impugnação de normas é hoje regulada, a par da
condenação à emissão de normas, nos artigos 72 e seguintes do novíssimo Código
de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA). O pedido de impugnação de normas,
como resulta do próprio artigo 72 que define o seu objeto, tem em vista a
declaração de ilegalidade de normas emanadas pelas diferentes entidades
administrativas.
Até esta novíssima reforma o legislador acabava por
confundir, de acordo com o entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, o
conhecimento a título incidental e a impugnação direta do regulamento, só sendo
permitido que um particular, à luz da lei antiga, obtivesse afastamento de um
regulamento da ordem jurídica quando tivesse havido três decisões judiciais
anteriores no sentido da recusa de aplicação desse mesmo regulamento com
fundamento na sua ilegalidade (pressuposto processual que resultava do art.73/1
do CPTA antigo). Tal confusão parece concretizar-se de forma mais flagrante
ainda no número 2 do preceito supra mencionado por dele resultar que no caso de
normas diretamente operativas o lesado pode obter a desaplicação da norma
pedindo a declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto. Cabe a este propósito notar que enquanto a apreciação incidental tem como
objetivo afastar os efeitos jurídicos produzidos pelo regulamento no caso
concreto a impugnação visa a declaração de ilegalidade e consequente
afastamento do regulamento da ordem jurídica. Esta realidade agora exposta
conduzia a um contrassenso desde logo, pois o regulamento é uma forma de
atuação administrativa com carácter geral e abstrato e a sentença que declara a
sua invalidade tinha efeitos circunscritos ao caso concreto, o que punha ainda
flagrantemente em causa não só várias normas europeias como a própria garantia
constitucional do art. 268/5 que consagra o direito de impugnar normas
administrativas com eficácia externa lesivas de direitos dos particulares.
A fronteira que separava estas duas realidades do conhecimento
incidental e da impugnação era assim bastante ténue e a confusão permanecia
instalada.
Ora na recente reforma de 2015 o legislador melhorou este sistema,
não alcançando porém ainda o que se perspetiva como o resultado ideal. A
distinção a fazer quanto aos meios de impugnação deve ter em conta se o
regulamento é direta ou indiretamente aplicável ou como resulta das palavras
usadas pelo legislador se a norma é “imediatamente operativa” tal como hoje
resulta dos artigos 72ss. do novíssimo CPTA, sendo que este critério já vem da
legislação de 1985. Reconhece-se, como não poderia deixar de ser, mais
amplitude à impugnação de normas imediatamente operativas, tendo em conta que
os efeitos jurídicos lesivos se produzem desde logo na esfera jurídica do particular.
Assim sendo, tendo em conta este critério de impugnabilidade concretamente
previsto no art. 73 CPTA pode ter-se como afastada a ideia do reflexo do modelo
de fiscalização da constitucionalidade a propósito da impugnação de normas
administrativas.
Do 73/2 CPTA resulta uma clara melhoria face ao anterior
regime não se exigindo já as três decisões incidentais anteriores quando o
particular seja directamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em
momento próximo pela aplicação de norma “imediatamente operativa”. Porém, a
parte final desta norma leva de novo à confusão ao permitir que o particular
nas condições supra possa obter a “desaplicação da norma pedindo a declaração
de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto”. Tal implica que a
eficácia da sentença seja apenas individual e concreta, porém o regulamento é
geral e abstracto: o regulamento ou é sempre ilegal ou não é. É nesta parte final
do 73/2 CPTA que encontramos o que qualifiquei como o paradoxo do regulamento
impugnado, parecendo confundir-se o que seria a apreciação a título incidental
e a impugnação da norma.
Para além de paradoxal e ilógica, na esteira do defendido
pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, esta norma pode ainda ser considerada
inconstitucional nos termos do 268/5 da Constituição da República Portuguesa, por implicar que o pedido feito
pelo particular esteja menos protegido que o pedido feito pelo actor público ou
o actor popular nos termos do 73/1 CPTA. É concedida (e bem) pelo legislador
legitimidade processual a vários actores, porém ao desproteger o particular face aos
demais não se efectiva verdadeiramente a previsão constitucional que consagra o direito do
particular a impugnar normas lesivas dos seus direitos. Cabe ainda, reforçando
a crítica lançada a este normativo, notar a ilegalidade que dele resulta por
violação de normas europeias (veja-se a este propósito, por exemplo, o acórdão
Brasserie du Pêcheur SA v Federal Republic of Germany).
Concluindo, deixa-se uma palavra de louvor ao legislador de
2015 por ter permitido ao particular lesado por norma directamente aplicativa
impugná-la sem necessidade de quaisquer decisões a título incidentais prévias.
Porém não se pode deixar de criticar, com base nos argumentos supra, o paradoxo
que cria a propósito do regulamento impugnado perspectivando-se assim como a melhor solução de iure condendo a de permitir o afastamento da ordem jurídica (verdadeira impugnação) do regulamento directamente aplicativo lesivo de direitos dos particulares.
Beatriz Pereira da Silva
140112048
Sem comentários:
Enviar um comentário