quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O Princípio do Acusatório e a sua relação com o Princípio do Inquisitório


Sabendo que, do ponto de vista do Processo Administrativo, não existem referências aos vícios do acto administrativo e que, desde os anos 80, quando foi revogada uma versão das Lei das Autarquias Locais, não há existe lei que contenha a enumeração dos vícios do acto administrativo, faz sentido questionar o que leva os Tribunais Administrativos a continuarem a falar em vício do acto administrativo?

Tendo em conta que os vícios são uma forma incompleta de determinação da realidade, e que do ponto de vista processual não identificam a causa de pedir, cabe ao particular invocar qual o seu direito e qual o comportamento ilegal da Administração que justifica a sua ida a tribunal.
O artigo 78º não faz referência aos vícios do acto e, assim sendo,  no quadro de uma nova lógica do contencioso que conhece na integralidade as ilegalidades da actuação administrativa, impõe-se que se deixe de considerar esta dimensão limitada na análise da ilegalidade e que se abra a causa de pedir à realidade actual.

Contudo, a questão mantém-se quanto a saber quando surge de facto o direito do particular e se pode ou não o juiz trazer a juízo factos não invocados pelas partes.

Neste ponto estão em causa visões diferentes do processo administrativo e dos princípios do processo administrativo, nomeadamente do princípio do acusatório e do seu relacionamento com o principio do inquisitório.

Para Mário Aroso de Almeida, que defende uma concepção processualista do direito substantivo, o direito do particular só surge no momento em que o particular reage à actuação da Administração e assim sendo, estes direitos correspondem a pretensões ao afastamento da ilegalidade do acto administrativo. Está em causa uma tentativa de construir em termos substantivos os direitos dos particulares nas relações jurídicas administrativas, ao dizer que esses direitos só surgem no momento em que o particular reage através do processo.

Vasco Pereira da Silva, por outro lado, considera que o direito do particular não se confunde com o seu direito a ir a juízo, este é um direito processual que é consequência da titularidade do direito substantivo e que tem como finalidade a tutela desse mesmo direito. Deve distinguir-se o modo como entendemos os direitos dos particulares do modo como eles se reflectem na relação jurídica processual.

Esta confusão entre a posição jurídica de vantagem em termos substantivos com a posição de vantagem em termos processuais tem consequências no modo como entendemos o objecto do processo no Contencioso Administrativo, reflectindo-se na maior importância conferida à dimensão inquisitória se adoptarmos a ideia do direito reactivo e na mais intensa valoração do principio do acusatório se adoptarmos a perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva.

Mário Aroso de Almeida atribui maior importância à dimensão inquisitória, conferindo ao juiz o poder de transportar factos novos para o processo, equiparando a posição do juiz à actuação do Ministério Público.  Contudo, segundo Vasco Pereira da Silva, não faz qualquer sentido confundir o juiz, que é um terceiro estranho ao processo, com uma parte, e assim sendo, o juiz deve conhecer integralmente dos factos trazidos ao processo mas limitando-se sempre aos factos  alegados pelas partes. Assim sendo, o processo é marcado pelo princípio do acusatório, embora coexistam alguns aspectos de tipo inquisitório.

Esta questão está relacionada com o artigo 95º. Este artigo consagra um alargamento dos poderes do juiz, o que corresponde a uma maior dimensão inquisitória, ou estabelece uma lógica meramente acusatória?

A interpretação do art. 95 nº1 é específica. O legislador diz que a sentença deve conhecer de todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não pode ocupar-se de outras,  salvo quando a lei permita ou imponha o conhecimento oficioso. Assim sendo, temos que este artigo consagra uma regra geral em que atribui maior relevância ao princípio do acusatório.

Contudo, é preciso não esquecer, que o juiz pode qualificar os factos de forma diferente daquele que foi feita pelas partes, mas isso não significa que posso trazer novos factos a juízo. O Tribunal pode corrigir a qualificação, se a considerar errada no modo como foi apresentada pelas partes, mas isso não significa que possa trazer factos novos para o processo. É necessário então aferir qual o poder do juiz e quais os seus limites e conjugar esse poder com a nova lógica do objecto do processo, aquela que nos impõe conhecer na integralidade a ilegalidade do acto administrativo.  Assim sendo, se o juiz detectar uma errada qualificação dos factos pela parte, pode alterar essa qualificação, mas sempre limitando-se aos factos alegados pelas partes. 

Maria Ana Sousa
140112086


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