Prezados leitores,
Hoje, nesta nossa rubrica semanal, iremos falar
da Acção de Condenação. Inicialmente esta acção não foi recebida de braços
abertos no contencioso, pois como todos sabemos o juiz tinha uma intervenção
muito reduzida, devido à infância traumática do Contencioso. Munido de poderes
limitados, o juiz apenas podia anular as decisões administrativas. Com receio
de violar o princípio da separação de poderes, o juiz não dava ordens à
Administração, sob pena de ser acusado de interferir nos poderes da mesma.
Mas falemos
primeiro dos primórdios da acção condenatória. Surge, no século XX em França, o
acto tácito de indeferimento. Uma realidade ainda pertencente à lógica
anulatória, mas já a introduzir a natureza condenatória. Permitia reagir contra
omissões deliberadas da administração relativamente a actos administrativos
quando estes fossem obrigatórios por lei, considerando-os como actos fingidos.
Como tal, foi atribuído um efeito semelhante ao condenatório na medida em que,
perante essas omissões administrativas, se “fingia” que a administração tinha
praticado um acto de indeferimento, permitindo ao particular ir a tribunal
pedir a anulação desse acto de indeferimento tácito, que resultaria num dever
de praticar o acto de conteúdo contrário. Deste modo, obter-se-ia uma
condenação “indirecta da administração”. Porém, este método era pouco eficiente
pois não era recorrente que os particulares impugnassem esse acto tácito, para
além de que não resultava necessariamente da sentença a ideia de dever da
prática do acto com esse determinado conteúdo pretendido pelo particular, uma
vez que das sentenças podiam sempre resultar dois sentidos diferentes de
solução.
Neste contexto esquizofrénico, a realidade até
então consagrada começou a gerar uma nova interpretação do princípio da
separação dos poderes, permitindo distinguir aquilo que é a possibilidade de os
tribunais condenarem a administração à prática dos actos devidos, sempre que
haja a preterição de alguma legalidade (considerado totalmente legítimo uma vez
que corresponde à tarefa de julgar), e aquilo que seria o tribunal praticar
directamente um acto administrativo (o que já não é admissível por corresponder
à tarefa de administrar). Consequentemente, veremos esta esquizofrenia a ser
rapidamente alterada, por influência Alemã.
Portugal optou por
adoptar o modelo alemão e adoptou as ações condenatórias! Não apenas a nível de
omissões administrativas, como também em relação a actuações de conteúdo
negativo que viessem negar os pedidos do particular, utilizando ações de
cumprimento de um dever. Temos agora um controlo mais eficaz da administração
pública.
E onde se pode
encontrar esta matéria, perguntam-se os nossos caros leitores? Pois bem, é no
artigo 66º e seguintes do Código de Processo Administrativo onde se consagra
esta matéria. Estando no artigo 67º os pressupostos.
Versemos agora
sobre a tamanha amplitude que foi conferida a este regime. Primeiramente,
estabelece-se que nos casos dos actos administrativos com conteúdo parcialmente
negativo, o pedido adequado é o de condenação, prevalecendo sobre os eventuais
pedidos de anulação (artigo 51º número 4). Estabelece deste modo uma
preferência pela condenação em detrimento da impugnação, ao conferir
legitimidade ao juiz para convidar as partes a alterarem a petição inicial
quando tal não aconteça (o juiz não o pode fazer por si oficiosamente, sob pena
de ser atentatório do princípio do contraditório, não obstante acabar por ser
um convite particularmente impositivo, em que o particular tem de alterar o
pedido). O legislador português não se preocupou com as situações em que o
particular não proceda a esta alteração da qualificação do pedido, uma vez que
essa substituição opera no quadro da mesma realidade processual, pois existe
apenas uma única forma de processo; e porque esta alteração é sempre mais
benéfica para o particular, uma vez que a acção de condenação é mais forte do
que a de anulação. Como tal, se o particular prosseguir com a permanência do
pedido anulatório, isso não representa a absolvição da instância nem do pedido,
o que seria demasiado excessivo.
Em segundo lugar,
ainda quanto à amplitude das acções de condenação, o legislador admite no
artigo 71º que o juiz, se possa pronunciar sobre o exercício do poder
discricionário da administração, em casos que envolvam a valoração própria do
exercício da função administrativa, embora com o limite de não se poder
substituir a essas valorações administrativas, e de apenas poder invocar os
princípios para delimitar as vinculações legais naquele caso concreto. Esta
norma permite o controlo do poder discricionário administrativo, limitando-o na
sua liberdade, ao atribuir ao juiz, embora não se podendo substituir à
administração, o poder de determinar o que deve a administração fazer neste
âmbito. Esta visão moderna de discricionariedade (fortemente apoiada pelo
professor Vasco Pereira da Silva, com o fundamento de que o poder
discricionário nunca é livre pois está sempre condicionado pelas vinculações
legais ao exercício do poder), que afasta a ideia de liberdade administrativa,
distingue-se da visão tradicional que consagra que o poder discricionário
pertence à reserva da administração, e na qual o tribunal não poderia intervir
(tendo como apoiante o professor Sérvulo Correia).
Importa ainda
referir, caríssimo leitor, que o legislador estabelece os prazos para as acções
de condenação, remetendo-os para os prazos de impugnação. Neste âmbito, a acção
de condenação tem um prazo máximo de um ano, a partir do qual o direito caduca
– o prazo de um ano resulta da aplicabilidade dos prazos que já conhecemos no
âmbito da anulação (regra-geral é de 3 meses, sendo que se admite a até um ano
se houver motivo atendível).
Concluída assim esta nossa breve exposição
sobre as acções de condenação no nosso ilustre país, é relevante referir ainda
a conformidade geral da opinião doutrinal do Professor Vasco Pereira da Silva
com o regime adoptado pelo legislador, sendo estas acções de condenação
prosperamente acolhidas o resultado de uma evolução positiva no crescimento do
contencioso administrativo, que cada vez mais se liberta das esquizofrenias que
marcaram a sua infância difícil.
Beatriz Pereira da Cruz – 140111108
Inês
Assis Ferreira – 140111024
Sem comentários:
Enviar um comentário