domingo, 6 de dezembro de 2015

Enfim, condenar-te-emos


Prezados leitores,

 

Hoje, nesta nossa rubrica semanal, iremos falar da Acção de Condenação. Inicialmente esta acção não foi recebida de braços abertos no contencioso, pois como todos sabemos o juiz tinha uma intervenção muito reduzida, devido à infância traumática do Contencioso. Munido de poderes limitados, o juiz apenas podia anular as decisões administrativas. Com receio de violar o princípio da separação de poderes, o juiz não dava ordens à Administração, sob pena de ser acusado de interferir nos poderes da mesma.

 

            Mas falemos primeiro dos primórdios da acção condenatória. Surge, no século XX em França, o acto tácito de indeferimento. Uma realidade ainda pertencente à lógica anulatória, mas já a introduzir a natureza condenatória. Permitia reagir contra omissões deliberadas da administração relativamente a actos administrativos quando estes fossem obrigatórios por lei, considerando-os como actos fingidos. Como tal, foi atribuído um efeito semelhante ao condenatório na medida em que, perante essas omissões administrativas, se “fingia” que a administração tinha praticado um acto de indeferimento, permitindo ao particular ir a tribunal pedir a anulação desse acto de indeferimento tácito, que resultaria num dever de praticar o acto de conteúdo contrário. Deste modo, obter-se-ia uma condenação “indirecta da administração”. Porém, este método era pouco eficiente pois não era recorrente que os particulares impugnassem esse acto tácito, para além de que não resultava necessariamente da sentença a ideia de dever da prática do acto com esse determinado conteúdo pretendido pelo particular, uma vez que das sentenças podiam sempre resultar dois sentidos diferentes de solução.

 

Neste contexto esquizofrénico, a realidade até então consagrada começou a gerar uma nova interpretação do princípio da separação dos poderes, permitindo distinguir aquilo que é a possibilidade de os tribunais condenarem a administração à prática dos actos devidos, sempre que haja a preterição de alguma legalidade (considerado totalmente legítimo uma vez que corresponde à tarefa de julgar), e aquilo que seria o tribunal praticar directamente um acto administrativo (o que já não é admissível por corresponder à tarefa de administrar). Consequentemente, veremos esta esquizofrenia a ser rapidamente alterada, por influência Alemã.

 

            Portugal optou por adoptar o modelo alemão e adoptou as ações condenatórias! Não apenas a nível de omissões administrativas, como também em relação a actuações de conteúdo negativo que viessem negar os pedidos do particular, utilizando ações de cumprimento de um dever. Temos agora um controlo mais eficaz da administração pública.

 

            E onde se pode encontrar esta matéria, perguntam-se os nossos caros leitores? Pois bem, é no artigo 66º e seguintes do Código de Processo Administrativo onde se consagra esta matéria. Estando no artigo 67º os pressupostos.

 

            Versemos agora sobre a tamanha amplitude que foi conferida a este regime. Primeiramente, estabelece-se que nos casos dos actos administrativos com conteúdo parcialmente negativo, o pedido adequado é o de condenação, prevalecendo sobre os eventuais pedidos de anulação (artigo 51º número 4). Estabelece deste modo uma preferência pela condenação em detrimento da impugnação, ao conferir legitimidade ao juiz para convidar as partes a alterarem a petição inicial quando tal não aconteça (o juiz não o pode fazer por si oficiosamente, sob pena de ser atentatório do princípio do contraditório, não obstante acabar por ser um convite particularmente impositivo, em que o particular tem de alterar o pedido). O legislador português não se preocupou com as situações em que o particular não proceda a esta alteração da qualificação do pedido, uma vez que essa substituição opera no quadro da mesma realidade processual, pois existe apenas uma única forma de processo; e porque esta alteração é sempre mais benéfica para o particular, uma vez que a acção de condenação é mais forte do que a de anulação. Como tal, se o particular prosseguir com a permanência do pedido anulatório, isso não representa a absolvição da instância nem do pedido, o que seria demasiado excessivo.

            Em segundo lugar, ainda quanto à amplitude das acções de condenação, o legislador admite no artigo 71º que o juiz, se possa pronunciar sobre o exercício do poder discricionário da administração, em casos que envolvam a valoração própria do exercício da função administrativa, embora com o limite de não se poder substituir a essas valorações administrativas, e de apenas poder invocar os princípios para delimitar as vinculações legais naquele caso concreto. Esta norma permite o controlo do poder discricionário administrativo, limitando-o na sua liberdade, ao atribuir ao juiz, embora não se podendo substituir à administração, o poder de determinar o que deve a administração fazer neste âmbito. Esta visão moderna de discricionariedade (fortemente apoiada pelo professor Vasco Pereira da Silva, com o fundamento de que o poder discricionário nunca é livre pois está sempre condicionado pelas vinculações legais ao exercício do poder), que afasta a ideia de liberdade administrativa, distingue-se da visão tradicional que consagra que o poder discricionário pertence à reserva da administração, e na qual o tribunal não poderia intervir (tendo como apoiante o professor Sérvulo Correia).

 

            Importa ainda referir, caríssimo leitor, que o legislador estabelece os prazos para as acções de condenação, remetendo-os para os prazos de impugnação. Neste âmbito, a acção de condenação tem um prazo máximo de um ano, a partir do qual o direito caduca – o prazo de um ano resulta da aplicabilidade dos prazos que já conhecemos no âmbito da anulação (regra-geral é de 3 meses, sendo que se admite a até um ano se houver motivo atendível).

 

Concluída assim esta nossa breve exposição sobre as acções de condenação no nosso ilustre país, é relevante referir ainda a conformidade geral da opinião doutrinal do Professor Vasco Pereira da Silva com o regime adoptado pelo legislador, sendo estas acções de condenação prosperamente acolhidas o resultado de uma evolução positiva no crescimento do contencioso administrativo, que cada vez mais se liberta das esquizofrenias que marcaram a sua infância difícil.

 

 

Beatriz Pereira da Cruz – 140111108
Inês Assis Ferreira – 140111024

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