quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O Habeas Corpus do Direito Administrativo: a Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias

O instituto dos processos urgentes, consagrado no artigo 36º do CPTA, caracteriza-se por assumir uma tramitação acelerada ou simplificada, na medida em que se exige a obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa com urgência.
A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, consagrada no artigo 36º, alínea e) e 109º e seguintes do CPTA, é um destes processos.
As intimações são processos urgentes de condenação. Segundo o Professor Vieira de Andrade, “visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos (em sentido amplo, em que se englobam acções e omissões, operações materiais ou simples actos jurídicos), e também, no caso de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para a prática de actos administrativos”.
Surgiram em Portugal por influência do direito francês - o chamado réferé-liberté, um procedimento que permite ao juiz ordenar medidas mais rápidas, para preservar os direitos em causa no litígio.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, o regime previsto no CPTA para a intimação de direitos, liberdades e garantias é demasiado parcimonioso, dele devendo constar qualquer direito fundamental e não meramente direitos, liberdades e garantias.

Assim, este mecanismo tem sido alvo de discussão doutrinal, nomeadamente no que consta o seu âmbito de aplicação.

Interpretação restritiva

O mecanismo da intimação apenas se dirige aos direitos, liberdades e garantias de interesse pessoal. Esta tese é defendida pela Professora Carla Amado Gomes, assente na interpretação deste artigo à luz do artigo 20º da CRP. Relaciona o meio jurisdicional em causa com a norma constitucional e estabelece um âmbito de aplicação limitado.
Da perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva, tal não se justifica já que o mesmo preceito não impõe regras de natureza processual ao contencioso administrativo. Assim, as regras da existência de um mecanismo urgente para a tutela de direitos fundamentais de natureza pessoal valeriam para todas as formas de processo e todas as jurisdições. Acrescenta que mesmo admitindo que aquela previsão constitucional se destinasse apenas a direitos fundamentais, nada impediria o legislador de ter regulado um regime jurídico mais amplo.

Posição intermédia

Resume-se a uma interpretação literal daquilo se diz no CPTA. A intimação dirige-se, por isso, a todos os direitos, liberdades e garantias, mas apenas a esses (incluindo os direitos fundamentais de natureza análoga – artigo 17º, CRP).

Tese do Professor Vasco Pereira da Silva

De acordo com posição de Professor, não se trata de uma questão de analogia, mas sim uma questão de identidade. Em causa não estão os direitos, antes a estrutura de cada um deles.
Todos os direitos fundamentais têm hoje uma dimensão de garantia. São direitos de defesa na lógica de tutela imediata. Para o Professor, todos os direitos têm esta dimensão, e todos eles protegem os particulares contra agressões no plano constitucionalmente protegido.
O Professor entende, de igual modo, que todos os direitos fundamentais para além da sua dimensão negativa, têm também uma dimensão positiva que estabelece deveres de actuação do legislador e que implicam a colaboração das entidades públicas. Tradicionalmente tal dimensão apenas valeria para a 2ª e 3ª geração de direitos, mas hoje em dia também vale para direitos da 1ª geração (note-se que mesmo o direito de voto ou a liberdade de expressão exigem que haja mecanismo de concretização).
Por último, todos os direitos são susceptíveis de aplicação directa e imediata, sendo que todos eles, nessa medida, estão submetidos à lógica do possível.
Conclui-se, deste modo, que segundo o Professor, não estamos perante uma analogia, já que se tratam de direitos idênticos.

Não obstante, independentemente da  concepção que se siga (identidade ou analogia), o resultado é o mesmo. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias deve aplicar-se a todos os direitos. A jurisprudência tem tido um papel activo nesta questão, alargando o leque de direitos em causa.

Filipa Bernardes Vilela
140112061

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