domingo, 29 de novembro de 2015

"Terra de ninguém? :"

As operações materiais e o novo CPTA.



 A matéria das “operações materiais administrativas” tem gerado desde os primórdios do contencioso administrativo bastante controvérsia, ficando muitas vezes num vácuo de jurisdição. Como que entre as fronteiras de dois Estados inimigos este domínio tem-se encontrado muitas vezes à margem, quer da tutela dos tribunais administrativos, quer dos tribunais judiciais. O problema consistia no facto de as ditas “operações materiais” sendo levadas a cabo pela Administração não se revestirem da forma de ato administrativo ou de nenhuma das outras formas típicas de actuação administrativa. Deste modo por não se tratarem de atos administrativos, as operações materiais não estavam inicialmente abrangidas por um contencioso actocentrico e não podendo, por isso, ser levadas a juízo junto dos tribunais administrativos. Por outro lado também repugnava aos tribunais judiciais admitir esta matéria a juízo uma vez que na lógica do contencioso de “recurso de anulação” a conduta administrativa gozava de um privilégio de foro. Este conflito negativo de jurisdição tem sido em muitas ordens jurídicas de matriz francesa resolvida pelos tribunais judiciais através da célebre teoria do “voie de fait administrative”, que, apesar de muitas vezes ultrapassada, tem sido utilizada indiscriminadamente pela jurisprudência até há relativamente pouco tempo. Esta teoria reconduz á tutela comum todas as operações materiais que excedam o âmbito de um ato administrativo e sendo por isso ilegais por via de uma “degeneração da sua natureza administrativa”. Os tribunais judiciais não estariam assim a julgar a Administração.
Seguiram-se algumas teorias contrárias como a teoria das  “circunstancias excecionais” que tentaram justificar a tutela dos tribunais administrativos sobre as operações materiais recorrendo muitas vezes a complexos raciocínios que acabavam por não fazer grande sentido. A Professora Carla Amado Gomes tem vindo a defender que este tipo de conduta administrativo cabe à competência dos tribunais administrativos por via da Acção para o reconhecimento de direitos prevista constitucionalmente desde 1982.
Hoje a questão foi resolvida pelo legislador que optou por expressamente atribuir aos tribunais administrativos a competência de julgar as operações materiais. Esta decisão foi aplaudida pela doutrina moderna e enquadra-se mais coerentemente na nova lógica de actuação pluriforme da Administração. Esta opção encontra-se expressamente plasmada na alínea i) do nº 2 do artigoº 2 e na alínea i) do nº 1 do artigo º 37 do CPTA e na alínea i) no nº1 do artigo º4 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), que referem “via de facto”. Pode se assim extrair destas normas atribuidoras de competências o Principio da competência do contencioso administrativo sobre as “operações materiais administrativas”, verdadeira expressão da prevalência da materialidade subjacente sob a égide dos direitos subjetivos públicos e do processo de partes. Não querendo “dar um passo mais longo do que a perna”, pode-se indicar algumas consequências deste princípio, nomeadamente a nível interpretativo. Dentro da mera interpretação literal ou declarativa lata pode-se integrar as operações materiais no campo de aplicação quer da Intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, nos termos do nº 1 do artigo º109 do CPTA, quer de Processos cautelares tanto por via do nº1 com por via da alínea i) do nº2 do artigo 112º. Nestes casos torna-se necessário, à luz do princípio evidenciado, a inclusão nestes dois institutos, pelo facto de a letra o permitir e pelo facto de a natureza muitas vezes urgente ou imediata dos litígios sobre vias de facto o exigir. Poderá noutras sedes este princípio reclamar uma interpretação extensiva de algumas normas quando a mera interpretação declarativa destas impeça injustificadamente a defesa dos direitos dos particulares, face a este tipo de atuação informal da administração. Um exemplo disto será o do artigo 66º do CPTA no qual se deve estender o conceito de “acto administrativo” à via de facto cuja omissão seja lesiva de direitos dos particulares. Alem destes, outros exemplos se podiam dar como reflexos deste principio no contexto do novo CPTA no entanto, ainda existem muitas questões que podiam ser mais desenvolvidas pelo legislador no âmbito do contencioso das operações materiais administrativas e que ficam certamente aguardando futuras reformas.
Podemos concluir que esta ultima reforma do CPTA foi também em matéria das operações materiais uma reforma benéfica por consolidar a competência dos tribunais administrativos sobre esta matéria acabando de vez com esta incerteza “esquizofrénica” , isto é dando definitivamente um dono à “terra de ninguém”.   

Gonçalo Calheiros Veloso, nº140112059


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