quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Evolução histórica do contencioso em matéria de contratos em Portugal



A matéria dos contratos no âmbito do direito administrativo tem vindo a sofrer determinadas vicissitudes com o passar dos anos. Podemos dizer que é sem duvida alguma, uma matéria que tem também, como sucede em outros âmbitos do contencioso administrativo, esquizofrenias que explicam e marcam a sua evolução.

Esta temática é marcada pela própria noção de contrato administrativo que tem como influência a visão esquizofrénica que distingue os contratos ditos administrativos, onde estaria em causa regime especial de direito público, que protegia a administração através de cláusulas exorbitantes ou que consagravam um estatuto especial para a administração, e os contratos ditos privados, regulados pelo direito civil que eram da competência dos tribunais ordinários.

A evolução histórica do contencioso em matéria de contratos inicia-se se no século XIX em França, aquando do surgimento de grandes contratos de fornecimento de energia eléctrica às grandes cidades, que devido às suas avultadas quantias, e também ao interesse público que estava em causa (eram considerados necessidades imperiosas da administração) fazia com que fosse atribuído um privilégio à administração no âmbito desses contratos.

 A explicação para estes contratos ditos administrativos é densificada no século XX. Assiste-se a uma teorização desta ideia por Maurice Hauriou. Esta doutrina clássica do direito administrativo não satisfeita com o tal privilégio vai justificar vai tentar justificar esta distinção por critérios jurídicos materiais.

Surgem então estas concepções do contrato administrativo defendendo que aqueles contratos teriam privilégios exorbitantes e que portanto eram totalmente diferentes dos contratos de direito privado. Em França e nos países latinos criou-se esta esquizofrenia que levava a esta dualidade conceptual entre os contratos ditos administrativos, regulados pelo direito público e outros ditos de privados regulados pelo direito privado. A doutrina para além deste primeiro critério das cláusulas exorbitantes procurou também sempre critérios que tivessem a ver com a nota do exercício de um poder especial. Isto é contraditório pois o contrato administrativo por um lado era um acordo de vontades e por outro implicava que o particular ficasse submetido a esse acordo de vontades.

Nos anos 70 e 80 um pouco por toda a parte certos sectores da doutrina começam a por esta dualidade em causa e a defender a unidade no universo da contratação pública. Consideravam que os contratos ditos administrativos não tinham nada de exorbitante porque nos termos das regras do princípio da legalidade e autonomia de vontade ou estão previstas na lei ou resultam da vontade dos intervenientes, e como tal não tem necessariamente de envolver nenhuma cláusula extraordinária; e que os contratos ditos privados celebrados pela administração não são efectivamente privados, também tinham poderes públicos (uma vez que resultam do exercício da actividade administrativa e que envolvem dinheiros públicos). A doutrina vinha no fundo dizer que o contrato em si era idêntico quando celebrado pela administração pública ou por particular.

Era necessário criar um regime comum, unitário para toda a contratação elaborada no seio da função administrativa. Para que as regras quer dos contratos ditos comuns quer dos contratos ditos administrativos fossem comuns.

Esta ideia que foi essencialmente iniciada em Portugal pela professora Maria João Estorninho teve depois também seguidores tais como o professor Vasco Pereira da Silva, o professor João Caupers e o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Era necessário acabar com a esquizofrenia, definindo um regime comum para todos os contratos. Deviam existir regras comuns a nível substantivo procedimental e processual. No entanto, esta discussão não suscitou qualquer alteração legislativa, tratando-se apenas de uma discussão no plano teórico.

Porém, o que mudou essencialmente esta matéria em Portugal foram as directivas europeias, que começaram a surgir no final dos anos 80 e que introduziam o regime de contratação pública. A ideia de um mercado comum europeu que começava a surgir e a ganhar bases implicava necessariamente regras de contratação pública unitárias, para que indivíduos de qualquer país da União Europeia pudessem concorrer aos mesmos concursos públicos para obras públicas, por exemplo, em pé de igualdade. Uma vez que cada país tinha a sua história e os seus esquemas nesta matéria a União Europeia optou por elaborar um conceito novo e amplo de contrato público. Sendo que esse contrato público corresponderia a todo e qualquer contrato elaborado no quadro do exercício da função administrativa, limitados pela necessidade de prosseguir fins de interesse público. Estas directivas acabaram então por colocar um ponto final na distinção esquizofrénica. Sendo Portugal um dos países integrantes da União Europeia esta dimensão trouxe como é natural varias alterações.

Ao adoptar a directiva europeia, Portugal elimina a distinção feita anteriormente entre os dois tipos de contrato. Consequentemente, todos os contratos que sejam praticados no exercício da função pública, que envolvam dinheiros públicos ou prossigam interesses públicos, passam a ser denominados exclusivamente “contratos públicos”.

Deste modo, podemos concluir que a denominação “contratos públicos”, a que se refere a nova legislação e aos quais se aplica as regras de direito público e se submete à apreciação dos tribunais administrativos, abrange os contratos anteriormente ditos administrativos e privados celebrados pela administração.

Em 2008 surge o código da contratação pública que pôs de forma definitiva termo à esquizofrenia existente porque estabeleceu o regime unitário imposto pelo direito europeu, para todo o universo da contratação pública. Contudo o legislador entendeu que uma categoria desses contratos públicos deveria manter o nome do passado, deviam continuar a chamar se contratos administrativos, não porque se distinguissem dos outros, o regime era o mesmo. A terminologia não foi por isso a mais correcta pois pode dar azo a confusão. É um regime unitário mas o legislador chama a uma das espécies do regime contratos administrativos.

Para o professor Vasco Pereira da Silva, o facto de se ter adoptado uma noção ampla de contrato público foi um traço positivo na evolução desta matéria. No entanto, tece uma crítica ao facto de se ter continuado a denominar “contrato administrativo”, àquilo que agora é um dos tipos de contrato público, defendendo a necessidade de atribuir uma nova designação, de modo a evitar que se gere confusões.

 

Mariana Monteiro – 140111093
Inês Ferreira - 140111024

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