A matéria dos contratos no âmbito
do direito administrativo tem vindo a sofrer determinadas vicissitudes com o
passar dos anos. Podemos dizer que é sem duvida alguma, uma matéria que tem
também, como sucede em outros âmbitos do contencioso administrativo,
esquizofrenias que explicam e marcam a sua evolução.
Esta temática é marcada pela
própria noção de contrato administrativo que tem como influência a visão
esquizofrénica que distingue os contratos ditos administrativos, onde estaria
em causa regime especial de direito público, que protegia a administração
através de cláusulas exorbitantes ou que consagravam um estatuto especial para
a administração, e os contratos ditos privados, regulados pelo direito civil
que eram da competência dos tribunais ordinários.
A evolução histórica do
contencioso em matéria de contratos inicia-se se no século XIX em França, aquando
do surgimento de grandes contratos de fornecimento de energia eléctrica às
grandes cidades, que devido às suas avultadas quantias, e também ao interesse
público que estava em causa (eram considerados necessidades imperiosas da administração)
fazia com que fosse atribuído um privilégio à administração no âmbito desses
contratos.
A explicação para estes contratos ditos administrativos
é densificada no século XX. Assiste-se a uma teorização desta ideia por Maurice
Hauriou. Esta doutrina clássica do direito administrativo não satisfeita com o
tal privilégio vai justificar vai tentar justificar esta distinção por critérios
jurídicos materiais.
Surgem então estas concepções do contrato
administrativo defendendo que aqueles contratos teriam privilégios exorbitantes
e que portanto eram totalmente diferentes dos contratos de direito privado. Em
França e nos países latinos criou-se esta esquizofrenia que levava a esta
dualidade conceptual entre os contratos ditos administrativos, regulados pelo
direito público e outros ditos de privados regulados pelo direito privado. A
doutrina para além deste primeiro critério das cláusulas exorbitantes procurou
também sempre critérios que tivessem a ver com a nota do exercício de um poder
especial. Isto é contraditório pois o contrato administrativo por um lado era
um acordo de vontades e por outro implicava que o particular ficasse submetido
a esse acordo de vontades.
Nos anos 70 e 80 um pouco por
toda a parte certos sectores da doutrina começam a por esta dualidade em causa
e a defender a unidade no universo da contratação pública. Consideravam que os
contratos ditos administrativos não tinham nada de exorbitante porque nos
termos das regras do princípio da legalidade e autonomia de vontade ou estão
previstas na lei ou resultam da vontade dos intervenientes, e como tal não tem
necessariamente de envolver nenhuma cláusula extraordinária; e que os contratos
ditos privados celebrados pela administração não são efectivamente privados, também
tinham poderes públicos (uma vez que resultam do exercício da actividade
administrativa e que envolvem dinheiros públicos). A doutrina vinha no fundo dizer
que o contrato em si era idêntico quando celebrado pela administração pública
ou por particular.
Era necessário criar um regime
comum, unitário para toda a contratação elaborada no seio da função administrativa.
Para que as regras quer dos contratos ditos comuns quer dos contratos ditos administrativos
fossem comuns.
Esta ideia que foi essencialmente
iniciada em Portugal pela professora Maria João Estorninho teve depois também
seguidores tais como o professor Vasco Pereira da Silva, o professor João Caupers
e o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Era necessário acabar com a esquizofrenia,
definindo um regime comum para todos os contratos. Deviam existir regras comuns
a nível substantivo procedimental e processual. No entanto, esta discussão não
suscitou qualquer alteração legislativa, tratando-se apenas de uma discussão no
plano teórico.
Porém, o que mudou essencialmente
esta matéria em Portugal foram as directivas europeias, que começaram a surgir
no final dos anos 80 e que introduziam o regime de contratação pública. A ideia
de um mercado comum europeu que começava a surgir e a ganhar bases implicava necessariamente
regras de contratação pública unitárias, para que indivíduos de qualquer país
da União Europeia pudessem concorrer aos mesmos concursos públicos para obras
públicas, por exemplo, em pé de igualdade. Uma vez que cada país tinha a sua história
e os seus esquemas nesta matéria a União Europeia optou por elaborar um
conceito novo e amplo de contrato público. Sendo que esse contrato público corresponderia
a todo e qualquer contrato elaborado no quadro do exercício da função
administrativa, limitados pela necessidade de prosseguir fins de interesse
público. Estas directivas acabaram então por colocar um ponto final na distinção
esquizofrénica. Sendo Portugal um dos países integrantes da União Europeia esta
dimensão trouxe como é natural varias alterações.
Ao adoptar a directiva europeia,
Portugal elimina a distinção feita anteriormente entre os dois tipos de
contrato. Consequentemente, todos os contratos que sejam praticados no
exercício da função pública, que envolvam dinheiros públicos ou prossigam
interesses públicos, passam a ser denominados exclusivamente “contratos
públicos”.
Deste modo, podemos concluir que
a denominação “contratos públicos”, a que se refere a nova legislação e aos
quais se aplica as regras de direito público e se submete à apreciação dos
tribunais administrativos, abrange os contratos anteriormente ditos
administrativos e privados celebrados pela administração.
Em 2008 surge o código da contratação
pública que pôs de forma definitiva termo à esquizofrenia existente porque
estabeleceu o regime unitário imposto pelo direito europeu, para todo o
universo da contratação pública. Contudo o legislador entendeu que uma
categoria desses contratos públicos deveria manter o nome do passado, deviam
continuar a chamar se contratos administrativos, não porque se distinguissem
dos outros, o regime era o mesmo. A terminologia não foi por isso a mais
correcta pois pode dar azo a confusão. É um regime unitário mas o legislador chama
a uma das espécies do regime contratos administrativos.
Para o professor Vasco Pereira da
Silva, o facto de se ter adoptado uma noção ampla de contrato público foi um
traço positivo na evolução desta matéria. No entanto, tece uma crítica ao facto
de se ter continuado a denominar “contrato administrativo”, àquilo que agora é
um dos tipos de contrato público, defendendo a necessidade de atribuir uma nova
designação, de modo a evitar que se gere confusões.
Mariana Monteiro – 140111093
Inês Ferreira - 140111024
Sem comentários:
Enviar um comentário