terça-feira, 10 de novembro de 2015

Proposta de resolução da Hipótese IV (pg. 25)


(c))A primeira questão é saber da legitimidade do Dr. Anacleto. Esta legitimidade é decorrência da titularidade de direitos, da qualidade de sujeito processual e é aferida em função do particular, que tem ou deve ter, um interesse directo.

Estabelece o artigo 9º nº1 do CPTA  que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. Quererá isto dizer que o critério determinante do acesso ao juiz é ter direitos e deveres no âmbito da relação jurídica.

Parece que, por estar em causa um aterro perto da quinta do Dr. Anacleto, que este terá um interesse directo na anulação do acto administrativo, sendo por isso parte legítima.

Não obstante, é de tomar em consideração que o Presidente da Câmara sustentou em informação prestada ao jornal que não há legitimidade, uma vez que o aterro se encontra a mais de um quilómetro de distância da sua propriedade.

Ora, sucede que, ainda assim, o Dr. Anacleto poderia ser parte legítima – para além de poder ser autor particular, pode recorrer á acção popular. É que, ao lado de um contencioso subjectivo (atribuído a titulares) também há uma defesa da legalidade e do interesse público. Tal defesa, e legitimidade para a prosseguir, encontra-se regulada no artigo 9º nº2, segundo o qual “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa (...) tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida (...). ” Parece que, ainda que o aterro se situasse a mais de um quilómetro de distância, e por isso, eventualmente, não viesse a afectar directamente o Dr. Anacleto, este podia ainda assim, pelas razões expostas, propor a anulação do acto enquanto autor popular.

(b)) Assim, vista a legitimidade em termos gerais, é agora preciso olhar ao caso em concreto, conforme o pedido do Dr. Anacleto. Aqui é relevante o artigo 50º, segundo o qual “ a impugnação de um acto administrativo tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto”. O artigo seguinte acrescenta que “(...) são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. Parece ser precisamente este o caso do acto em causa, uma vez que vem lesar o direito a um ambiente são do proprietários de terrenos contíguos ao aterro.

Visto que se pretende a impugnação do acto administrativo, voltamos a analisar a legitimidade do Dr. Anacleto, agora já nos termos do artigo 55º. Mesmo perante esta norma, será parte legítima, tanto pela alínea a) como pela alínea f) do nº1 do referido artigo.

Tudo visto, sabemos que o Dr. Anacleto terá legitimidade para impugnar o acto administrativo do Presidente da Câmara.

Relativamente á acção propriamente dita, estabelece o artigo 46º nº1 e nº2 alínea a) que a anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica, seguem a forma de acção administrativa especial.
(a)): Vimos já a possibilidade de anulação. No entanto, Anacleto pretende também o direito à reparação de danos patrimoniais entretanto sofridos. Neste sentido, é de tomar em consideração o artigo 4º nº1 alínea f), conjugada com a alínea a) ou e) – que vem permitir o cumular de pedidos de anulação do acto de administração com o pedido de condenação na reparação dos danos causados pela Administração, isto é, na reparação dos referidos danos patrimoniais que sofreu.

Tal possibilidade é também frisada no artigo 47º nº1, segundo o qual “ com qualquer dos pedidos principais enunciados no nº2 do artigo anterior (no que agora importa, com a anulação de um acto administrativo) podem ser cumulados outros que com aqueles apresentem uma relação material de conexão (...) e, designadamente, o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da actuação ou omissão administrativa ilegal”.


Nas mesmas declarações prestadas ao jornal, o Presidente da Câmara referiu que o Dr. Anacleto já tinha ultrapassado o prazo de impugnação dos actos administrativos: Em matéria de prazos, é preciso olhar para o artigo 58º nº2 alínea b), segundo o qual a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses. Neste caso, não nos são apresentados dados suficientes para aferir se a acção foi proposta em três meses. Ainda assim, é de tomar em consideração a possibilidade de alargamento de prazo num ano. Estabelece o artigo 58º nº4 alínea b), que a impugnação pode ser admitida até um ano além do prazo de três meses, caso se demonstre que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, neste caso, por o atraso dever ser considerado desculpável devido às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável. Não podemos esquecer que o Dr. Anacleto está acabado de chegar de uma viagem prolongada, não lhe podendo ser exigível que, durante o período de tempo que esteve no estrangeiro, tenha tomado conhecimento deste acto por parte do Presidente da Câmara.

(e)): É ainda de referir que, ainda que o prazo tivesse passado, e o acto administrativo em causa não pudesse mais ser impugnado, o direito a indemnização permaneceria sempre; é que a simples passagem do prazo tem mero efeito processual, mantendo-se a relação substantiva (artigo 38º).

NB: O artigo 59º estabelece as regras de contagem do prazo. Só começa a contar com a notificação. Se não tivesse havido notificação, então não produziria efeitos.


(d))Finalmente, surge então a questão de saber se pelo facto de o Dr. Anacleto, depois de ter tido conhecimento da emissão do acto administrativo, ter adquirido outra propriedade contígua ao terreno, constitui uma aceitação do acto administrativo.

Considera o artigo 56º nº1, que “não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”. Acrescenta o número seguinte que “a aceitação tácita da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”. Pode de facto parecer que ao adquirir um terreno contíguo à localização do aterro, significa que o Dr. Anacleto não está realmente incomodado com este. No entanto, a verdade é que comprar um terreno contíguo ao aterro não é facto incompatível com  a vontade de impugnar.

Aliás, até se pode por em hipótese que só terá comprado o terreno por confiar que a sua acção seria bem sucedida, e não teria que se preocupar com a existência do aterro, uma vez que o acto que o determinou seria anulado. Anacleto pode simplesmente ter aproveitado uma oportunidade de negócio, por os preços dos terrenos contíguos ao aterro terem baixado. Não parece que a mera compra do terreno, ainda que contíguo ao aterro, baste para se considerar aceitação tácita.   

Concluindo: Parece que o Dr. Anacleto poderia, porque parte legítima e em tempo, propor uma acção particular ou popular, impugnando o acto administrativo, pedindo a sua anulação, ao mesmo tempo que cumulava o pedido de indemnização. 

Mariana Navarro Garcia - 140111010

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