(c))A
primeira questão é saber da legitimidade do Dr. Anacleto. Esta
legitimidade é decorrência da titularidade de direitos, da qualidade de sujeito
processual e é aferida em função do particular, que tem ou deve ter, um
interesse directo.
Estabelece o artigo 9º nº1 do CPTA que “o
autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material
controvertida”. Quererá isto dizer que o critério determinante do acesso ao
juiz é ter direitos e deveres no âmbito da relação jurídica.
Parece que, por estar em causa um aterro
perto da quinta do Dr. Anacleto, que este terá um interesse directo na anulação
do acto administrativo, sendo por isso parte legítima.
Não obstante,
é de tomar em consideração que o Presidente da Câmara sustentou em informação
prestada ao jornal que não há legitimidade, uma vez que o aterro se encontra a
mais de um quilómetro de distância da sua propriedade.
Ora, sucede
que, ainda assim, o Dr. Anacleto poderia ser parte legítima – para além de
poder ser autor particular, pode recorrer á acção popular. É que, ao lado de um
contencioso subjectivo (atribuído a titulares) também há uma defesa da
legalidade e do interesse público. Tal defesa, e legitimidade para a
prosseguir, encontra-se regulada no artigo 9º nº2, segundo o qual “independentemente de ter interesse pessoal
na demanda, qualquer pessoa (...) tem legitimidade para propor e intervir, nos
termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à
defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública,
o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida
(...). ” Parece que, ainda que o aterro se situasse a mais de um quilómetro
de distância, e por isso, eventualmente, não viesse a afectar directamente o
Dr. Anacleto, este podia ainda assim, pelas razões expostas, propor a anulação
do acto enquanto autor popular.
(b)) Assim, vista a legitimidade
em termos gerais, é agora preciso olhar ao caso em concreto, conforme o pedido
do Dr. Anacleto. Aqui é relevante o artigo 50º, segundo o qual “ a impugnação de um acto administrativo
tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse
acto”. O artigo seguinte acrescenta que “(...) são impugnáveis os actos
administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja
susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. Parece ser
precisamente este o caso do acto em causa, uma vez que vem lesar o direito a um
ambiente são do proprietários de terrenos contíguos ao aterro.
Visto que se pretende
a impugnação do acto administrativo, voltamos a analisar a legitimidade
do Dr. Anacleto, agora já nos termos do artigo 55º. Mesmo perante esta norma, será
parte legítima, tanto pela alínea a) como pela alínea f) do nº1 do referido
artigo.
Tudo visto,
sabemos que o Dr. Anacleto terá legitimidade para impugnar o acto administrativo do
Presidente da Câmara.
Relativamente
á acção propriamente dita, estabelece o artigo 46º nº1 e nº2 alínea a) que a
anulação de um acto administrativo ou declaração da sua nulidade ou
inexistência jurídica, seguem a forma de acção administrativa especial.
(a)): Vimos já a possibilidade de
anulação. No entanto, Anacleto pretende também o direito à reparação de danos
patrimoniais entretanto sofridos. Neste sentido, é de tomar em consideração o
artigo 4º nº1 alínea f), conjugada com a alínea a) ou e) – que vem
permitir o cumular de pedidos de anulação do acto de administração com o pedido
de condenação na reparação dos danos causados pela Administração, isto
é, na reparação dos referidos danos patrimoniais que sofreu.
Tal possibilidade
é também frisada no artigo 47º nº1, segundo o qual “ com qualquer dos pedidos principais enunciados no nº2 do artigo
anterior (no que agora importa, com a anulação de um acto administrativo) podem ser cumulados outros que com aqueles
apresentem uma relação material de conexão (...) e, designadamente, o pedido de
condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da actuação ou
omissão administrativa ilegal”.
Nas mesmas
declarações prestadas ao jornal, o Presidente da Câmara referiu que o Dr.
Anacleto já tinha ultrapassado o prazo de impugnação dos actos administrativos:
Em matéria de prazos, é preciso olhar para o artigo 58º nº2 alínea b), segundo
o qual a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses. Neste
caso, não nos são apresentados dados suficientes para aferir se a acção foi
proposta em três meses. Ainda assim, é de tomar em consideração a possibilidade
de alargamento de prazo num ano. Estabelece o artigo 58º nº4 alínea b), que a
impugnação pode ser admitida até um ano além do prazo de três meses, caso se
demonstre que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era
exigível a um cidadão normalmente diligente, neste caso, por o atraso dever ser
considerado desculpável devido às dificuldades que, no caso concreto, se
colocavam quanto à identificação do acto impugnável. Não podemos esquecer que o
Dr. Anacleto está acabado de chegar de uma viagem prolongada, não lhe podendo
ser exigível que, durante o período de tempo que esteve no estrangeiro, tenha
tomado conhecimento deste acto por parte do Presidente da Câmara.
(e)): É ainda de referir que, ainda que o prazo tivesse passado, e o acto
administrativo em causa não pudesse mais ser impugnado, o direito a
indemnização permaneceria sempre; é que a simples passagem do prazo tem
mero efeito processual, mantendo-se a relação substantiva (artigo 38º).
NB: O artigo 59º estabelece as regras de contagem do prazo. Só começa a contar
com a notificação. Se não tivesse havido notificação, então não produziria
efeitos.
(d))Finalmente,
surge então a questão de saber se pelo facto de o Dr. Anacleto, depois de ter
tido conhecimento da emissão do acto administrativo, ter adquirido outra
propriedade contígua ao terreno, constitui uma aceitação do acto
administrativo.
Considera o
artigo 56º nº1, que “não pode impugnar um
acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de
praticado”. Acrescenta o número seguinte que “a aceitação tácita da prática, espontânea e sem reserva, de facto
incompatível com a vontade de impugnar”. Pode de facto parecer que ao
adquirir um terreno contíguo à localização do aterro, significa que o Dr.
Anacleto não está realmente incomodado com este. No entanto, a verdade é que
comprar um terreno contíguo ao aterro não é facto incompatível com a vontade de impugnar.
Aliás, até se
pode por em hipótese que só terá comprado o terreno por confiar que a sua acção
seria bem sucedida, e não teria que se preocupar com a existência do aterro,
uma vez que o acto que o determinou seria anulado. Anacleto pode simplesmente ter
aproveitado uma oportunidade de negócio, por os preços dos terrenos contíguos
ao aterro terem baixado. Não parece que a mera compra do terreno, ainda que
contíguo ao aterro, baste para se considerar aceitação tácita.
Concluindo: Parece que o Dr. Anacleto poderia, porque
parte legítima e em tempo, propor uma acção particular ou popular, impugnando o
acto administrativo, pedindo a sua anulação, ao mesmo tempo que cumulava o
pedido de indemnização.
Mariana Navarro Garcia - 140111010
Mariana Navarro Garcia - 140111010
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