terça-feira, 3 de novembro de 2015

O Recurso de Anulação - Crónica de uma morte anunciada

Nos artigos 50º e seguintes do CPTA, temos a nossa tão estimada ação de impugnação de atos administrativos. O que muita gente pode não saber é que antes desta ação tínhamos o famoso "recurso de anulação dos atos administrativos". Nas linhas que se seguem, vou tentar explicar como é que este recurso de anulação era já desde o inicio inadequado, seguindo as lições do Professor Vasco Pereira da Silva.

O Professor Vasco Pereira da Silva, no seu estudo sobre este recurso, introduz a tese de que "o recurso de anulação não é um recurso, nem é (somente) de anulação". Para simplificar o nosso trabalho, vamos fazer o que o Professor também fez, e desdobrar esta tese em duas:

Tese nº 1: O recurso de anulação não é um recurso.

Tese nº 2: O recurso de anulação não é (apenas) de anulação.

Começando pela primeira tese, o recurso de anulação não era um recurso, pois não se tratava de uma reapreciação jurisdicional do ato. Era a primeira vez que o Tribunal iria apreciar o ato, por isso o termo "recurso" é inadequado. De facto, é uma ação, uma ação chamada recurso. Tendo a noção de ato administrativo impugnável como sendo um ato definitivo e executório caído por por terra, já não faz mais sentido dizer que o ato administrativo é caraterizado como definidor do Direito aplicável. Quem define o Direito aplicável são as sentenças dos tribunais. O ato é apenas "uma decisão da função administrativa destinada à satisfação de necessidades coletivas". Colocar as decisão administrativa no mesmo pé de igualdade do tribunal é recuar aos "traumas da infância difícil" em que a Administração e Justiça se confundem.

Quanto à segunda tese, para além do efeito "demolitório" da anulação, a anulação produzia outros efeitos. Os efeitos da anulação, para serem úteis, precisava de produzir outros efeitos, estes de natureza conformativa e repristinatória, para conservar a eficácia da própria sentença. Senão vejamos, um ato administrativo que implique a demolição de uma casa, se ilegal, pode o particular recorrer ao tribunal. Mas a sentença de anulação não faz a casa miraculosamente voltar ao sitio onde estava. É preciso que a sentença imponha que a Administração atue de forma a que ponha o particular na mesma situação em que se encontraria se o ato não tivesse sido praticado. Daí a tese de que, para além de efeitos anulatórios, o recurso de anulação teria também efeitos represtinatórios.

Em jeito de conclusão, junto-me ao Professor Vasco Pereira da Silva, e dou os parabéns ao legislador da reforma do Contencioso Administrativo por ter acabado com este recurso de anulação, que já desde o seu inicio não era nem recurso nem (apenas de anulação).
Hoje, temos a ação de impugnação de atos administrativos, que, não sem os seus defeitos, evidencia claramente um passo em frente à superação dos "traumas" que sofreu o Contencioso Administrativo.

Como bem "profetizou" Maurice Hauriou, o recurso de anulação transformou-se num processo de plena jurisdição, podendo-se agora cumular pedidos de condenação aos pedidos de anulação.

Bibliografia: Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, páginas 318-322

Filipe Daniel Cunha Marques | 140112008

Sem comentários:

Enviar um comentário