sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Condeno-te, Administração!

   Nos primóridios do Contencioso Administrativo, sempre se ouviu dizer que, em razão do tão frequentemente invocado (quando convém) princípio da separação de poderes, ao juíz só era admitida a possibilidade de anular actos administrativos. O que seria um mero juiz dar qualquer tipo de ordens às autoridade administrativas!... Nesta lógica dicotómica de Deus no Céu/Direito Administrativo na Terra, considerava-se que este último tinha como eminência parda o grandioso Estado, cuja actuação jamais, em tempo algum, poderia ser posta em causa.
   Felizmente, no quadro do Direito Alemão, abandonou-se, a seguir à guerra, este modelo e surgiram as bem-aventuradas acções de condenação, não se destinando apenas a omissões administrativas, mas também a actos que denegassem o pedido do particular. Assim, a chamada acção de cumprimento de um dever é um meio processual novo, que abrange tanto omissões como actos de conteúdo negativo por parte da Administração. Pobre Administração que ficou quase despida com este modelo, uma vez que, nesta realidade, se primava por um controlo mais eficaz dos actos.
   Pelas terras lusas, o legislador portugês decidiu adoptar este modelo alemão e, no art. 66º/1 CPTA, consagra a possibilidade de existência de "actos omitidos ou recusados". Já o art.67º, ao falar dos pressupostos, engloba pedidos que correspondem a casos em que há uma omissão e, por outro lado, a casos de recusa de deferimento do pedido apresentado. Com o alargamento deste meio processual, é agora possível reagir quando o particular não se encontre integralmente satisfeito (ex: quando o pedido foi de 1000 euros de subsídio, tendo sido apenas entregue 200). Maravilhoso! Basta uma recusa parcial do pedido para dar origem a um pedido de condenação! Temos é um problema... Há uma certa dificuldade quanto à delimitação entre pedidos de condenação e pedidos anulatórios. Para resolver este problema, o mecanismo processual previsto no art. 54º/1 evidencia uma preferência do legislador pelo pedido de condenação sempre que se trate de actos administrativos de conteúdo negativo, ainda que essa negação seja parcial. 
   Levanta-se agora a questão de saber se, perante um acto de conteúdo negativo, é possível que o particular mantenha apenas o pedido de anulação. Na verdade, esta questão nunca se deveria colocar. A verdade é que o particular só tem desvantagens em manter o pedido de anulação, uma vez que o pedido de condenação é mais forte e o particular fica mais protegido. Para além disso, no quadro do processo, o legislador não tem problemas em admitir a adequação do pedido. Justifica-se, assim, a preferência pela acção de condenação. O efeito de condenação é mais intenso que o de anulação, portanto, tal como estipula o art. 66º/2, não tem que haver cumulação destes dois pedidos.
   Outro aspecto a considerar é que o legislador entendeu que a acção de condenação pode acontecer mesmo no domínio dos poderes discricionários, já que, segundo o art. 71º, mesmo nesses casos, o juiz pode, e deve, pronunciar-se sobre o modo correcto de exercício desse poder. As escolhas no âmbito do poder discricionário estão sempre balizadas pela interpretação das vinculações legais. Surgem as chamas "sentenças indicativas".
   O legislador consagrou, por último, um mecanismo processual de oportunidade ao estabelecer prazos. A acção de condenação tem o prazo de um ano, findo o qual essa acção caduca.
   Ficamos assim com uma ideia desta nova realidade que, preocupada com os direitos dos particulares, retira mais um dos traumas de infância que tanto nos têm feito debater na idade adulta.
 
Andrea Gaspar
140112007

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