segunda-feira, 26 de outubro de 2015

UM OLHAR PASSADO PRESENTE E FUTURO SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA - Art.10º. CPTA



Á luz da lógica do Código de Processo Civil o legislador português quis também chamar ao processo dos tribunais administrativos as pessoas coletivas públicas.
Mas o Direito Administrativo tem as suas especificidades e faz com que a escolha não tenha sido a mais acertada.

Já há muito que se ultrapassou a visão  de Thomas Hobbes que via a administração como o “Leviathan”- o monstro,- organizada de forma piramidal que tinha no topo da hierarquia o governo.
Há cada vez mais, uma lógica de descentralização e desconcentração, uma tendência para o aparecimento de inúmeros centros autónomos de decisão – (art.267/2 º CRP).
E cada um desses centros autónomos de poder pode decidir a situação do particular em causa, porque se entende que está mais próximo da situação do particular e consegue de forma mais célere e adequada acautelar os direitos e interesses constitucional/legalmente consagrados.

O Estado tem uma multiplicidade de ministérios cada um com funções diferenciadas (ART.183º. CRP), e o facto de o art.10º/2 1ª parte, dizer que a pessoa coletiva pública pode ser demandada faz com que no limite se caia no ridículo de criar situações como pôr o governo a defender um ato do ministro da economia ou da agricultura, o que não faz qualquer sentido, porque cada um prossegue atribuições diferentes e o autor do ato sabe melhor que ninguém justificá-lo e fundamentá-lo.
 No que respeita ao Governo cada um dos Ministros deve ser o último responsável por aquela decisão. Estamos perante entidades com capacidade decisória e perante órgãos que manifestam uma vontade imputável á administração.
E a ideia de que a pessoa coletiva é que esta a ser chamada não cabe nos quadros do atual direito administrativo.
Ainda neste campo é importante relembrar que as exigências do Princípio da Legalidade têm a ver com a atuação, a atuação dos órgão é regulada por lei, não faz sentido neste campo o principio da impermeabilidade da pessoa coletiva que é utilizado no direito privado. Não há impermeabilidade, tudo o que se passa no interior da pessoa coletiva é e deve ser controlado pelos Tribunais competentes. Nem o Principio da legalidade nem o da Separação de Poderes  parecem exigir que sejam demandadas as pessoas coletivas.



Assim há do ponto de vista teórico duas perspetivas:

1ª. Que tem as suas origens no Direito Italiano, em Cassese e nos seus seguidores, que dizem em termos muito sucintos que essa ideia da relação entre pessoa coletiva e órgão vale para o direito privado, mas não para o direito administrativo. Esses serviços são feixes de competências e atribuições , não há que falar de pessoas coletivas nem de órgãos, mas sim de atribuições, e no âmbito do exercício dessas atribuições podem ser responsabilizados e estar em juízo.

Esta teoria é de facto a mais estimulante do ponto de vista teórico mas surge o problema levantado pelo Sr. Prof. Vasvo Pereira da Silva.. como vamos então designar estas entidades? De service (serviços) como no Direito Italiano?

2ª. Que tem as suas origens na perspetiva alemã: numa perceptiva muito sumária esta teoria gira á volta da distinção dos conceitos de personalidade e capacidade. A capacidade de gozo e exercício é dos órgãos e não das pessoas coletivas. Só a personalidade é das pessoas coletivas. O uso da pessoa coletiva no direito público não é igual ao do direito privado, estamos perante uma simples ficção no direito público, uma vez que quem atua são as pessoas dotadas de capacidade, a personalidade de nada adianta.
Já Wolff - pai do direito administrativo alemão dos anos 30 e 40,- dizia com ironia que o conceito de pessoa coletiva no direito administrativo era um conceito artístico, que ficava bem, bonito, mas em rigor não tinha relevância nenhuma, uma vez que ter personalidade era apenas uma forma de fingir que as decisões eram imputadas á pessoa coletiva mas quem tinha responsabilidade era, os órgãos – tratava-se de uma verdadeira e própria ficção.


Esta ultima teoria é a melhor forma de interpretar nos termos do art.10 º CPTA, o que o legislador fez em Portugal.
O legislador diz que os sujeitos são as pessoas coletivas mas estabelece no entanto um conjunto de exceções tão grande que põe em causa a regra geral. Isto acontece porque o próprio legislador percebe que não é possível adoptar essa concepção , que esta não é adequada, é preciso chamar a juízo, numa lógica subjetivista, os autores dos atos e não um órgão com uma relação ténue com o órgão que decidiu. Deve-se chamar o efetivo autor do ato- o órgão.

Este problema já existia na versão de 2004, no entanto “novíssima” versão de 2015 ainda se acrescentaram mais exceções. Em última analise é aos olhos do código indiferente contra quem se reage, quer seja contra a pessoa coletiva quer seja contra o órgão. Ora isto só nos alerta para as similitudes com a teoria alemã, da ficção. Assim para esta teoria a ideia de personalidade coletiva é uma mera ficção e o que mais importa, no fim das contas, é a capacidade- do sujeito que atua, do órgão no quadro da pessoa coletiva.

Além disso, esta opção do legislador não deixa de ser caricata visto que se vai ao arrepio daquilo que é tendência no Direito Português. Fala-se sempre em órgãos, os art. 260ºss CRP, e o código de procedimento administrativo dos anos 90, (presidido por o Sr. Prof Freitas do Amaral) usava os órgãos como sujeitos das relações jurídicas, e o código atual “de Fausto Quadros” também surge com essa ideia, os artigos iniciais não se afastam dos do “Código de Freitas do Amaral” e há em ambos um traço característico: a valorização dos órgãos em detrimento das pessoas coletivas.


         EM SUMA:
É paradoxal que o legislador tenha feito esta opção, porque efetivamente mais importante que a pessoa coletiva é no quadro da lógica da legitimidade em termos subjetivos o chamamento á demanda dos sujeitos da relação material: de quem praticou o ato.
No entanto é de lamentar que o legislador não o afirme como, no entanto, faz no Art.78/3º CPTA de onde se retira  que é indiferente demandar o órgão ou a pessoa coletiva e é isto que faz verdadeiro sentido num processo de natureza subjetiva.


Pelo exposto resta-me acompanhar a posição do Sr. Prof. Vasco Pereira Da Silva, no tocante ás criticas á legitimidade passiva pelas entidades públicas, e esperar que no futuro o legislador leve estas criticas em conta e simplifique o regime, clarificando a regra geral de forma a que se diminuam também as exceções. Esta critica  encontra-se também corroborada pelo exposto no art.10º. nº4, que admite a sanação da citação irregular, e tem-se a petição como conforme ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos ainda que feita ao órgão e não à pessoa coletiva.


Verónica Nobre (140112030)

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