sábado, 10 de outubro de 2015

Competência dos Tribunais Administrativos - Reserva Absoluta ou Reserva Relativa?


Análise do Acórdão nº 347/97 do Tribunal Constitucional




Matéria de facto relevante para a análise do tema em questão:

"Por deliberação de 3 de Dezembro de 1992, o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura atribuiu a A., juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de ........, a classificação de medíocre, pela sua actuação no Tribunal de Instrução Criminal de ...... no período compreendido entre ..... de ..... de 1985 e ....de ........ de 1988.

De tal deliberação reclamou o magistrado para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que, por acórdão de 3 de Dezembro de 1993, veio a confirmá-la.

Deste acórdão interpôs o magistrado recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações junto desse Tribunal, o recorrente sustentou a inconstitucionalidade material da norma contida no nº 1 do artigo 168º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), bem como a da interpretação contida na deliberação (recorrida) do artigo 37º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Por acórdão de 18 de Janeiro de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, tendo entendido que não se verificavam as referidas inconstitucionalidades.

É deste acórdão (de 18 de Janeiro de 1995) que vem o presente recurso, interposto ao abrigo do preceituado nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

Junto deste Tribunal o recorrente concluiu as suas alegações do seguinte modo:
       "a) o disposto no nº 1 do art. 168º do E.M.J. ofende, materialmente, o preceituado no art. 214º nº 3 da C.R.P  (actual artigo 212º nº2 CRP)"


Análise:

O presente acórdão levanta a questão de saber se o conflito resultante das deliberações do Conselho Superior da Magistratura emerge de relações jurídico‑administrativas cujo conhecimento é dos Tribunais Administrativos, nos termos do artigo 214º nº 3, da Constituição da República Portuguesa.

O Tribunal recorre, em primeiro lugar, ao argumento do interesse público, afirmando que o controlo qualitativo do exercício da função jurisdicional respeita à prossecução do interesse colectivo na boa administração da justiça. E prossegue, defendendo que na avaliação dos magistrados está em causa o exercício de uma actividade administrativa, uma vez que estamos perante uma relação jurídica em que um dos sujeitos surge investido de poderes de autoridade.

No entanto, o Tribunal questiona se deverá tal actividade ser necessariamente abrangida pela norma constante do nº 3 do artigo 212º da Constituição (artigo 214º no ano do acórdão). Haverá uma reserva absoluta de competência dos tribunais administrativos ou apenas uma reserva relativa? Poderá ser atribuída competência aos tribunais judicias para a apreciação de questões de natureza administrativa? 

A resposta é positiva.

Apesar de reconhecer a importância da preparação especializada do juiz administrativo, associada à autonomia dogmática e complexidade técnica do Direito Administrativo, o Tribunal admite que há apenas uma reserva relativa da competência dos tribunais administrativos.

Alicerça a sua posição no argumento de que o actual artigo 212º nº3 contém a mera definição da área própria (do âmbito‑regra) da ordem judicial administrativa e fiscal no contexto da organização dos tribunais, sem com isso pretender necessariamente estabelecer uma reserva material absoluta. O legislador ordinário tem apenas de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições, não ficando proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento de questões substancialmente administrativas.

Conclui o Tribunal da seguinte forma – “Seguindo este entendimento, poderá afirmar-se que o artigo 214º, nº 3, da Constituição consagra a criação de uma jurisdição administrativa ordinária, ou seja, dá forma a uma jurisdição administrativa autónoma. Porém, isso não significa necessariamente que todos os litígios emergentes de qualquer relação jurídica administrativa devam ser dirimidos pelos tribunais administrativos. Com efeito, o que se pretendeu foi o estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios jurídico-administrativos, não uma reserva absoluta de competência. Estas considerações revelam, igualmente, que a finalidade principal que presidiu à inserção da norma constante do nº 3 do artigo 214º no texto constitucional foi a abolição do carácter facultativo da jurisdição administrativa, e não a consagração de uma reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos”.

Importa ainda sublinhar que o Tribunal Constitucional exige uma atribuição pontual e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para a apreciação de determinadas questões de natureza administrativa. Não pode assim haver uma descaracterização significativa do modelo constitucionalmente imposto de dualidade de jurisdições

Neste sentido:  Acórdãos n.º 347/97, n.º 458/99, n.º 421/2000, n.º 550/2000; 284/2003, n.º 211/2007, n.º 522/2008, n.º 632/2009 e n.º 11/2012,


Nota: Na quarta revisão constitucional, datada de 1997, o artigo 214º passou a ser o actual artigo 212º.

Mariana Terra da Motta 
140112004

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