Análise do Acórdão nº 347/97 do
Tribunal Constitucional
Matéria de facto
relevante para a análise do tema em questão:
"Por deliberação de 3 de Dezembro de 1992, o
Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura atribuiu a A.,
juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de ........, a classificação de
medíocre, pela sua actuação no Tribunal de Instrução Criminal de ...... no
período compreendido entre ..... de ..... de 1985 e ....de ........ de 1988.
De tal deliberação reclamou o magistrado para o
Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que, por acórdão de 3 de
Dezembro de 1993, veio a confirmá-la.
Deste acórdão interpôs o magistrado recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas alegações junto desse Tribunal, o recorrente
sustentou a inconstitucionalidade material da norma contida no nº 1 do artigo
168º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), bem
como a da interpretação contida na deliberação (recorrida) do artigo 37º do
Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Por acórdão de 18 de Janeiro de 1995, o Supremo
Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, tendo entendido que não se
verificavam as referidas inconstitucionalidades.
É deste acórdão (de 18 de Janeiro de 1995) que
vem o presente recurso, interposto ao abrigo do preceituado nos artigos 280º,
nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional.
Junto deste Tribunal o recorrente concluiu as
suas alegações do seguinte modo:
"a) o
disposto no nº 1 do art. 168º do E.M.J. ofende, materialmente, o
preceituado no art. 214º nº 3 da C.R.P (actual artigo 212º nº2 CRP)"
Análise:
O presente acórdão levanta a
questão de saber se o conflito resultante das deliberações do Conselho Superior da
Magistratura emerge de relações jurídico‑administrativas cujo conhecimento é
dos Tribunais Administrativos, nos termos do artigo 214º nº 3, da
Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal recorre, em
primeiro lugar, ao argumento do interesse público, afirmando que o controlo qualitativo do
exercício da função jurisdicional respeita à prossecução do interesse colectivo
na boa administração da justiça. E prossegue, defendendo que na avaliação dos
magistrados está em causa o exercício de uma actividade administrativa, uma vez
que estamos perante uma relação jurídica em que um dos sujeitos surge investido
de poderes de autoridade.
No entanto, o Tribunal
questiona se deverá tal actividade ser necessariamente abrangida pela norma
constante do nº 3 do artigo 212º da Constituição (artigo 214º no ano do acórdão). Haverá uma reserva absoluta de
competência dos tribunais administrativos ou apenas uma reserva relativa?
Poderá ser atribuída competência aos tribunais judicias para a apreciação de
questões de natureza administrativa?
A resposta
é positiva.
Apesar de
reconhecer a importância da preparação especializada do juiz administrativo,
associada à autonomia dogmática e complexidade técnica do Direito
Administrativo, o Tribunal admite que há apenas uma reserva relativa da
competência dos tribunais administrativos.
Alicerça a sua posição no argumento de que o actual artigo 212º nº3 contém a mera
definição da área própria (do âmbito‑regra) da ordem judicial administrativa e
fiscal no contexto da organização dos tribunais, sem com isso pretender
necessariamente estabelecer uma reserva material absoluta. O legislador
ordinário tem apenas de respeitar o núcleo essencial da organização material das
jurisdições, não ficando proibida a atribuição pontual a outros tribunais do
julgamento de questões substancialmente administrativas.
Conclui o Tribunal da
seguinte forma – “Seguindo este entendimento, poderá afirmar-se que
o artigo 214º, nº 3, da Constituição consagra a criação de uma jurisdição
administrativa ordinária, ou seja, dá forma a uma jurisdição administrativa
autónoma. Porém, isso não significa necessariamente que todos os litígios
emergentes de qualquer relação jurídica administrativa devam ser dirimidos
pelos tribunais administrativos. Com efeito, o que se pretendeu foi o
estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais
administrativos para apreciar os litígios jurídico-administrativos, não uma
reserva absoluta de competência. Estas considerações revelam, igualmente, que a
finalidade principal que presidiu à inserção da norma constante do nº 3 do
artigo 214º no texto constitucional foi a abolição do carácter facultativo da
jurisdição administrativa, e não a consagração de uma reserva de competência
absoluta dos tribunais administrativos”.
Importa
ainda sublinhar que o Tribunal Constitucional exige uma atribuição pontual
e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para a apreciação
de determinadas questões de natureza administrativa. Não pode assim haver uma
descaracterização significativa do modelo
constitucionalmente imposto de dualidade de jurisdições
Neste
sentido: Acórdãos
n.º 347/97, n.º 458/99, n.º 421/2000, n.º 550/2000; 284/2003, n.º 211/2007, n.º
522/2008, n.º 632/2009 e n.º 11/2012,
Nota: Na quarta revisão constitucional, datada de
1997, o artigo 214º passou a ser o actual artigo 212º.
Mariana Terra da Motta
140112004
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