domingo, 11 de outubro de 2015

Comentário ao Acórdão 9/13 de de 10 de Outubro, STA


·         “O MUNICÍPIO DE FARO intentou contra A…………….., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, acção administrativa comum, sob a forma sumária, destinada à impugnação de consignação em depósito, pedindo que seja declarado ineficaz, nomeadamente para o efeito de extinção da obrigação de pagamento da renda devida pela ré ao autor, o depósito de que a ré notificou o autor em 10-10-2011, bem como todos os subsequentes que a ré vier a efectuar, nesse montante ou em qualquer outro montante distinto do reclamado pelo autor, e ainda a condenação da ré a pagar ao autor a renda actualizada devida, nos termos do que lhe foi comunicado em 28/07/2011, acrescida das penalidades legalmente devidas pela falta de pagamento pontual das rendas devidas, sendo com esse alcance mandado completar os depósitos. 
(….)
·         A questão que cumpre decidir está em saber se a competência para o conhecimento da acção cabe aos tribunais judiciais ou aos tribunais administrativos.”

     O acima citado acórdão analisa a questão do âmbito da jurisdição administrativa e respectiva delimitação.
     De forma breve, factualmente assiste-se à falta de pagamento de uma renda pela ré ao Município de Faro, no que toca a um imóvel do parque habitacional do Município. Nestes termos, coloca-se a questão deste contrato, aparentemente de direito privado (contrato de arrendamento), ter sido celebrado entre um particular e um órgão público e, por isso, pertencer ao âmbito do direito administrativo. Mais, remete-se para o Decreto-Lei 166/93 de 7 de Maio, que vigorava para o caso em apreço, através do “Regulamento de Acesso e Gestão do Parque Habitacional do Município de Faro”.
   De facto, este processo foi, numa fase inicial, intentado num tribunal judicial - Tribunal da Comarca de Faro, tendo aí sido decidido o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé incompetente em razão da matéria e tendo sido remetido o processo para o Tribunal de Faro. Posteriormente, foi este declarado, de igual modo, incompetente em razão da matéria, tendo sido o réu absolvido da instância. Ora, remeteu-se o mesmo para o Tribunal de Conflitos que, por sua vez, remeteu a resolução do litígio para o Supremo Tribunal Administrativo. Todo este percurso é exemplificativa da dificuldade em delimitar o âmbito judicial ou administrativo de determinada situação, pese embora a sua consagração constitucional e o respectivo artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Como foi resolvida esta questão?

     Ora, em primeiro lugar, o acórdão faz apelo constitucional, nomeadamente aos artigos 211.º e 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.”

     De igual forma, remete-se para o artigo 1º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (a então Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro) e, em especial, a sua alínea f) do n.º1.

“Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

“Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.

     Deste modo, o STA acaba por concluir pela relação administrativa que decorre daquele contrato de arrendamento já que o mesmo seria regulado pelo já citado Regulamento de Acesso e Gestão do Parque Habitacional do Município de Faro, sob o regime de renda condicionada (nota: é ainda colocada a questão de saber se o regime em causa é imperativo, no que o Tribunal remete para a sua decisão de 14/03/2013, em que se afirma ser “claramente um regime de direito público”).
     Como temos vindo a estudar nas aulas teóricas, o legislador constitucional não consagrou um critério material e absoluto, na medida em que o âmbito da justiça administrativa não se basta com o direito administrativo. Assim, e como o Professor José Vieira de Andrade afirma no seu livro “A Justiça Administrativa”, o artigo constitucional não deve ser visto como uma proibição mas como um modelo típico, cabendo ao legislador constitucional a sua definição concreta, principalmente no que se refere as chamadas zonas cinzentas. Assim e, como em outros acórdãos se tem vindo a afirmar, o critério é meramente relativo, baseando-se num juízo de oportunidade (vide Acórdão 347/97 do Tribunal Constitucional).
     Nestes termos, o Estatuto, nos moldes da Constituição, consagra o critério da relação jurídica administrativa e fiscal através de uma primeira delimitação positiva e uma posterior delimitação negativa. Atente-se que o legislador utilizou cumulativamente vários critérios, sendo que determinadas situações poderão cair em mais que uma alínea.
     Analisado o presente acórdão, conclui-se que o mesmo é revelador da importância da consagração do artigo 4.º do Estatuto, pela Reforma de 2002/2003 que, apesar “de apenas ser digno de 9 na oral”, nas palavras do Professor, acabou por simplificar a resolução de casos como aquele em apreço, que se situaria numa zona cinzenta.
     Da mesma forma se conclui que apesar da consagração constitucional e legal de um critério da relação jurídica administrativa e fiscal, a sua aplicação prática, ainda colocava dúvidas, no que se congratula a Novíssima Reforma, pela clarificação e delimitação do âmbito de jurisdição em algumas das alíneas (como a remissão para o Contencioso Administrativo do regime das contraordenações, em matéria de urbanismo).

Filipa Bernardes Vilela

140112061

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