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“O
MUNICÍPIO DE FARO intentou contra A…………….., no Tribunal Administrativo e Fiscal
de Loulé, acção administrativa comum, sob a forma sumária, destinada à
impugnação de consignação em depósito, pedindo que seja declarado ineficaz,
nomeadamente para o efeito de extinção da obrigação de pagamento da renda
devida pela ré ao autor, o depósito de que a ré notificou o autor em 10-10-2011,
bem como todos os subsequentes que a ré vier a efectuar, nesse montante ou em
qualquer outro montante distinto do reclamado pelo autor, e ainda a condenação
da ré a pagar ao autor a renda actualizada devida, nos termos do que lhe foi
comunicado em 28/07/2011, acrescida das penalidades legalmente devidas pela
falta de pagamento pontual das rendas devidas, sendo com esse alcance mandado
completar os depósitos.
(….)
·
A
questão que cumpre decidir está em saber se a competência para o conhecimento
da acção cabe aos tribunais judiciais ou aos tribunais administrativos.”
O acima citado acórdão
analisa a questão do âmbito da jurisdição administrativa e respectiva
delimitação.
De forma breve, factualmente
assiste-se à falta de pagamento de uma renda pela ré ao Município de Faro, no
que toca a um imóvel do parque habitacional do Município. Nestes termos,
coloca-se a questão deste contrato, aparentemente de direito privado (contrato
de arrendamento), ter sido celebrado entre um particular e um órgão público e,
por isso, pertencer ao âmbito do direito administrativo. Mais, remete-se para o
Decreto-Lei 166/93 de 7 de Maio, que vigorava para o caso em apreço, através do
“Regulamento de Acesso e Gestão do Parque Habitacional do Município de Faro”.
De facto, este processo
foi, numa fase inicial, intentado num tribunal judicial - Tribunal da Comarca
de Faro, tendo aí sido decidido o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé
incompetente em razão da matéria e tendo sido remetido o processo para o
Tribunal de Faro. Posteriormente, foi este declarado, de igual modo,
incompetente em razão da matéria, tendo sido o réu absolvido da instância. Ora,
remeteu-se o mesmo para o Tribunal de Conflitos que, por sua vez, remeteu a
resolução do litígio para o Supremo Tribunal Administrativo. Todo este percurso
é exemplificativa da dificuldade em delimitar o âmbito judicial ou
administrativo de determinada situação, pese embora a sua consagração
constitucional e o respectivo artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais.
Como foi resolvida esta questão?
Ora, em primeiro lugar,
o acórdão faz apelo constitucional, nomeadamente aos artigos 211.º e 212.º, n.º
3 da Constituição da República Portuguesa.
“Os
tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem
jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
“Compete
aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos
contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas.”
De igual forma,
remete-se para o artigo 1º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
(a então Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro) e, em especial, a sua alínea f)
do n.º1.
“Os
tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes
das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
“Compete
aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios
que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à interpretação,
validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de
contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito
público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos
que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito
público”.
Deste
modo, o STA acaba por concluir pela relação administrativa que decorre daquele
contrato de arrendamento já que o mesmo seria regulado pelo já citado
Regulamento de Acesso e Gestão do Parque Habitacional do Município de Faro, sob
o regime de renda condicionada (nota: é ainda colocada a questão de saber se o
regime em causa é imperativo, no que o Tribunal remete para a sua decisão de
14/03/2013, em que se afirma ser “claramente um regime de direito público”).
Como temos vindo a estudar nas aulas teóricas, o legislador constitucional não
consagrou um critério material e absoluto, na medida em que o âmbito da justiça
administrativa não se basta com o direito administrativo. Assim, e como o Professor
José Vieira de Andrade afirma no seu livro “A Justiça Administrativa”, o artigo
constitucional não deve ser visto como uma proibição mas como um modelo típico,
cabendo ao legislador constitucional a sua definição concreta, principalmente
no que se refere as chamadas zonas cinzentas. Assim e, como em outros acórdãos
se tem vindo a afirmar, o critério é meramente relativo, baseando-se num juízo
de oportunidade (vide Acórdão 347/97 do Tribunal Constitucional).
Nestes termos, o
Estatuto, nos moldes da Constituição, consagra o critério da relação jurídica
administrativa e fiscal através de uma primeira delimitação positiva e uma
posterior delimitação negativa. Atente-se que o legislador utilizou
cumulativamente vários critérios, sendo que determinadas situações poderão cair
em mais que uma alínea.
Analisado
o presente acórdão, conclui-se que o mesmo é revelador da importância da
consagração do artigo 4.º do Estatuto, pela Reforma de 2002/2003 que, apesar “de
apenas ser digno de 9 na oral”, nas palavras do Professor, acabou por
simplificar a resolução de casos como aquele em apreço, que se situaria numa
zona cinzenta.
Da mesma forma se
conclui que apesar da consagração constitucional e legal de um critério da
relação jurídica administrativa e fiscal, a sua aplicação prática, ainda
colocava dúvidas, no que se congratula a Novíssima Reforma, pela clarificação e
delimitação do âmbito de jurisdição em algumas das alíneas (como a remissão
para o Contencioso Administrativo do regime das contraordenações, em matéria de
urbanismo).
Filipa Bernardes Vilela
140112061
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