quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Em busca do pressuposto processual perdido – A impugnação administrativa necessária



A doutrina tem discutido se a definitividade vertical do acto administrativo constitui, ou não, um pressuposto processual para a impugnação contenciosa do acto. Questiona-se assim se o controlo jurisdicional estará dependente de uma prévia impugnação administrativa, nomeadamente do recurso hierárquico necessário.

Até à Revisão Constitucional de 1989, a Constituição previa o recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios. No entanto, a partir de 1989, deixou de ser feita referência à definitividade e executoriedade do acto administrativo, admitindo-se o recurso contencioso contra quaisquer actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos. Esta mudança de paradigma, nomeadamente a queda da exigência da definitividade do acto, levou uma parte da doutrina a insurgir-se contra a figura do recurso hierárquico necessário, dizendo que esta era agora inconstitucional.

Foi esta a posição defendida por uma minoria, da qual o Professor Vasco Pereira da Silva faz parte, contra uma importante parte da doutrina e jurisprudência. A inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário alicerça-se em quatro argumentos que brevemente se refere:

  •      Violação do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (268º nº4), uma vez que a exigência do recurso hierárquico como condição de exercício do recurso contencioso acaba por negar o direito fundamental de impugnação contenciosa;

  •        Violação do princípio constitucional da separação entre a Administração e a Justiça – exige-se que o uso de um meio judicial esteja dependente do uso de um meio administrativo;

  •        Violação do princípio constitucional da desconcentração administrativa (267º nº2) que impõe a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos.

  •         Violação do princípio da efectividade da tutela (268º nº4) – O recurso hierárquico vai consumir uma parte significativa (30 dias) do prazo para o recurso contencioso, o que equivale na prática a uma preclusão desse direito. Este argumento é hoje refutado pelo artigo 59º nº4 do CPTA que determina que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo”.


Se para alguns a nova reforma do Código de Processo Administrativo afasta, de forma evidente, a necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso à justiça administrativa, para outros tal não é tão inequívoco.

Os primeiros recorrem à letra da lei para sustentar a sua posição. Ao não haver no Código de Processo Administrativo qualquer referência, mesmo que implícita, à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, devemos concluir que a lei não exige tal pressuposto. Mais, no artigo 59º nº5 o legislador determina que o particular que tenha recorrido a uma garantia administrativa e beneficiado da suspensão do prazo da impugnação contenciosa, ainda tem a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto na pendência da impugnação administrativa. Assim, o particular não só pode escolher entre a via administrativa ou a via contenciosa como, no caso de escolher a primeira, pode imediatamente suscitar a apreciação jurisdicional do litígio.

Outros, como é o caso do professor Mário Aroso de Almeida, optam por uma interpretação mais restrita segundo a qual, e cito, “se estaria aqui apenas perante uma revogação da regra geral da exigência de recurso hierárquico necessário, constante no código de Procedimento Administrativo, mas que ela não implicaria a revogação de eventuais regras especiais que consagrassem tal exigência, quando existissem, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigências em lei especial”.

Entre os vários argumentos que contrariam esta tese, destacam-se os seguintes:

  •    É dito que o Código de Procedimento Administrativo revogou a regra geral do recurso hierárquico necessário mas não as regras especiais. A especialidade de uma norma prende-se com a criação de um regime diferente do regime-regra. Pois bem as normas apelidadas de especiais não possuem especialidade alguma já que apenas confirmam a regra geral. Assim, a revogação da regra geral tem implícita a revogação de todas as normas que contêm o mesmo regime jurídico. 

  •        Se o código estabelece que o recurso hierárquico necessário não é um pressuposto processual, então as normas avulsas que exigem tal recurso devem caducar por falta do objecto, pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam.


Muito poderia ainda ser dito sobre este tema, mais argumentos se ergueriam e logo outros os derrubariam porém a segurança jurídica exige uma solução que poderia passar pela revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário.

Mariana Terra da Motta
140112004

Sem comentários:

Enviar um comentário