O Silêncio
dos Inocentes:
Nota prévia: O critério geral da
impugnabilidade de actos administrativos encontra-se plasmado no artigo 268º/4
da Constituição da República Portuguesa - é o denominado “critério da lesão de
direitos/interesses dos particulares”. A própria norma é clara ao indicá-lo, e
a tarefa do intérprete afigura-se facilitada: “ É garantido aos administrados
tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos, incluindo, (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que
os lesem (…)”.
Ao analisar a matéria da “impugnação de actos administrativos”
na “Novíssima” reforma, o intérprete depara-se logo à partida com a questão de
saber quais são as decisões que podem ser objecto de impugnação (pressuposto da
impugnabilidade). E aí, o legislador responde-lhe: “(…) são impugnáveis todas
as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem
produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (…)”-
artigo 51º/1 CPTA.
É dado portanto, pelo legislador, um “critério dos efeitos
jurídicos externos” para determinação daquilo que pode ser impugnado pelo administrado.
Mas terá o legislador dito tudo? Não estará a sua resposta incompleta?
A verdade é que, bem antes, no capítulo das “Disposições
Fundamentais”, mais precisamente no artigo 9º/1 do mesmo diploma legal, já
havia o legislador consagrado que o critério para a acção é o da lesão de
direitos/interesses dos particulares, uma vez que indica que “o autor é
considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material
controvertida”. E ainda o artigo 10º/1 a propósito da “legitimidade passiva”
faz com que não restem dúvidas: “Cada acção deve ser proposta contra a outra
parte na relação material controvertida e (…) contra as pessoas titulares de
interesses contrapostos aos do autor”.
Se assim é, por que razão é que o legislador deixou cair do
artigo 51º/1 o critério da lesão do direito? Por que razão se silenciou?
É que, no artigo 55º/1 CPTA, a propósito da Legitimidade
activa para impugnar actos administrativos, o legislador volta a falar do
critério do 268/4 CRP: “ Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo:
Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por
ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Das normas mencionadas, da sistematização e em resultado do
silêncio do legislador (que mais tarde já usa da palavra) pode o intérprete
fazer o seguinte juízo crítico: o critério da “lesão do direito” é
necessariamente mais amplo do que o dos “efeitos jurídicos externos”, ou
melhor, é de prévia análise em relação ao segundo, porque verdadeiramente é de
lesão que o administrado se queixa e não somente da afectação da sua esfera
jurídica.
Assim, e em jeito de conclusão, pode o intérprete dizer que o
critério do 51/1º CPTA só pode valer quando ligado ao do 268/4º CRP ou 9º CPTA,
não se percebendo por que razão não foi o segundo considerado pelo legislador
no artigo 51º/1 CPTA.
José Manuel Alves - 140112046
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