sábado, 31 de outubro de 2015

O Silêncio dos Inocentes:

Nota prévia: O critério geral da impugnabilidade de actos administrativos encontra-se plasmado no artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa - é o denominado “critério da lesão de direitos/interesses dos particulares”. A própria norma é clara ao indicá-lo, e a tarefa do intérprete afigura-se facilitada: “ É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, (…) a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem (…)”.

Ao analisar a matéria da “impugnação de actos administrativos” na “Novíssima” reforma, o intérprete depara-se logo à partida com a questão de saber quais são as decisões que podem ser objecto de impugnação (pressuposto da impugnabilidade). E aí, o legislador responde-lhe: “(…) são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (…)”- artigo 51º/1 CPTA.

É dado portanto, pelo legislador, um “critério dos efeitos jurídicos externos” para determinação daquilo que pode ser impugnado pelo administrado. Mas terá o legislador dito tudo? Não estará a sua resposta incompleta?

A verdade é que, bem antes, no capítulo das “Disposições Fundamentais”, mais precisamente no artigo 9º/1 do mesmo diploma legal, já havia o legislador consagrado que o critério para a acção é o da lesão de direitos/interesses dos particulares, uma vez que indica que “o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. E ainda o artigo 10º/1 a propósito da “legitimidade passiva” faz com que não restem dúvidas: “Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e (…) contra as pessoas titulares de interesses contrapostos aos do autor”.

Se assim é, por que razão é que o legislador deixou cair do artigo 51º/1 o critério da lesão do direito? Por que razão se silenciou?

É que, no artigo 55º/1 CPTA, a propósito da Legitimidade activa para impugnar actos administrativos, o legislador volta a falar do critério do 268/4 CRP: “ Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo: Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Das normas mencionadas, da sistematização e em resultado do silêncio do legislador (que mais tarde já usa da palavra) pode o intérprete fazer o seguinte juízo crítico: o critério da “lesão do direito” é necessariamente mais amplo do que o dos “efeitos jurídicos externos”, ou melhor, é de prévia análise em relação ao segundo, porque verdadeiramente é de lesão que o administrado se queixa e não somente da afectação da sua esfera jurídica.


Assim, e em jeito de conclusão, pode o intérprete dizer que o critério do 51/1º CPTA só pode valer quando ligado ao do 268/4º CRP ou 9º CPTA, não se percebendo por que razão não foi o segundo considerado pelo legislador no artigo 51º/1 CPTA.


José Manuel Alves - 140112046

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